Dossiê Corbyn

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Apresentamos abaixo, em parceria com o prof. Victor Marques, da UFABC, uma série de textos discutindo o fenômeno Corbyn na Inglaterra. Nas palavras do Victor:

Um Dossiê Corbo-futurista

Esse mês eu e o Everton Lourenço, do blog O Minhocário, trabalhamos juntos para traduzir uma série de textos publicados originalmente em inglês sobre a surpreendente campanha do Partido Trabalhista e, mais importante, como em pouco tempo ela foi capaz de transformar radicalmente a paisagem política do Reino Unido. A importância histórica desse evento não deve ser minimizada: ao que me consta, é a primeira vez que um partido de massas, esclerosado e envelhecido, é trazido de volta à vida por meio da mobilização multitudinária de base, tornando-se novamente um instrumento útil ao movimento social de contestação e reativando a imaginação utópica pós-capitalista. Os textos foram quase todos escritos por jovens militantes, ligados mais à política radical de rua do que à política institucional parlamentar, e buscam refletir a partir dessa novidade eleitoral que caminhos se abrem para pensarmos estrategicamente nosso futuro comum.

  1. Como Corbyn Venceu” – Bhaskar Sunkara é o jovem fundador e editor da Jacobin Magazine – a publicação que, aliando uma estética atraente e uma comunicação efetiva, experimentou um crescimento vertiginoso para, em poucos anos, se tornar a mais importante da esquerda americana. Segundo Sunkara, a campanha de Corbyn oferece um “modelo” que os socialistas democráticos podem agora seguir: um programa ousado e direto, que defenda o bem comum, os serviços públicos, e a democratização da economia rumo a uma alternativa ao capitalismo.
  2. Por Que Tantos Eleitores Jovens Estão Se Apaixonando Por Velhos Socialistas?” – Sarah Leonard, jovem militante americana, editora da revista The Nation, e co-autora, com Sunkara, do livro “The Future We Want: Radical Ideas for a New Century” (“O Futuro que queremos: ideias radicais para um novo século”), discute por que há um abismo geracional entre esses velhos líderes socialistas (como Corbyn, Sanders e Melenchon) e a multidão de jovens que energizaram e tornaram viáveis essas campanhas. Leonard argumenta que esses líderes são sobreviventes de lutas passadas, e que estão agora passando a tocha para uma nova geração após uma corrida de longa distância. São líderes que resistiram ao assalto neoliberal sem capitular à política da terceira via, e estão sendo usados agora como ferramentas por uma nova geração militante – com uma composição de gênero e de raça bem diferente (e bem mais diversa) da esquerda tradicional.
  3. Corbyn é Muitos” – Esse é meu próprio artigo, que tenta compreender o devir majoritário na cultura do movimento de contestação. O caso Corbyn é expressão de fenômeno global de um novo “populismo orientado ao futuro”, construído a partir de uma virada estratégica das lutas anti-austeridade.
  4. A Fadiga do Desespero” – O célebre antropólogo anarquista David Graeber, que se destacou pela sua participação ativa no Occuppy Wall-Street e seu esforço de visibilização e defesa da luta curda no norte da Síria, pergunta se é possível ficar entediado com o desespero, cansado da desesperança, e afirma que, após os anos de horizonte de expectativas rebaixadas que caracterizou o período neoliberal, o futuro está finalmente voltando – com uma onda de otimismo e um retorno de visões utópicas. O Corbo-futurismo faria parte desse processo, em que se tornaria possível de novo imaginar um futuro para além do capitalismo.
  5. A Realidade Está Correndo” – James Butler é um dos editores e fundadores da Novara Media, um pequeno coletivo de mídia independente, de inclinação comunista libertária, nascido dos protestos estudantis anti-austeridade. Mesmo sendo uma aposta modesta, o Novara conseguiu atingir uma significativa influência sobre uma parte da nova geração militante que se politizou a partir do enfrentamento aos cortes, e foi capaz, inclusive, de introduzir novos termos no vocabulário político – como o de “comunismo luxuriante plenamente automatizado”. Butler enfatiza que a campanha de Corbyn mostrou que não há leis imutáveis na política, e que há momentos em que a história corre aceleradamente: coisas que em um dia parecem impossíveis, no outro já se tornam muito prováveis. Nesses momentos, até os militantes mais radicais precisam correr para não ficar pra trás na marcha dos eventos.
  6. Pela Primeira Vez Na Minha Vida, Não Sinto Como Se As Coisas Só Pudessem Piorar” – Juliet Jacques é uma militante trans, e publicou o relato de sua transição (“Trans”) pela editora verso, em 2015. Esse texto, postado originalmente no blog da Repeater Books (a editora fundada por Mark Fisher), é uma narrativa íntima e emocionada de como a campanha de Corbyn, a frente de um partido trabalhista refeito por dentro, rompeu com o clima de depressão e ansiedade dominante na juventude britânica, e reacendeu a confiança de que as coisas podem melhorar por meio da nossa ação política coletiva. Lembranças pessoais de Mark Fisher (autor de “Realismo Capitalista”, falecido no começo desse ano) e John McDonnell (o homem da economia de Corbyn), dois defensores de uma política orientada ao futuro, tornam o texto tocante, ao passo que ajudam a entender a atmosfera intelectual na qual o projeto corbynista foi gestado.
  7. A Esperança Transformou o Inimaginável em Realidade” – Sam Kriss, escrevendo para a Vice, aponta para o estranho momento em que, frente a uma situação “incrivelmente sombria”, a juventude decidiu – contra todos os prognósticos – acreditar. E como esse exercício, aparentemente despropositado, de fé transformou o inimaginável em realidade. Quando as pessoas estavam desesperadas por uma visão positiva, os conservadores ofereceram apenas um inevitável eterno presente, um “eternidade sem vida” onde todos os dias seriam iguais – apenas com as noites cada vez mais longas, a grama cada vez mais amarelada, o sol cada vez menos brilhante. Ao decidir acreditar, a juventude mostrou que o modo como as coisas são não é necessariamente o modo como elas sempre serão. A ação coletiva pode reverter o inevitável: “O mundo é nosso, podemos mudá-lo”.

Esses textos dão continuidade à discussão iniciada aqui no Minhocário com “Democratizar Isso”, de Michal Rozworski, que falava sobre os planos do Partido Trabalhista para democratizar a economia britânica.


Como Corbyn Venceu

Não ligo se ele não venceu realmente — ele venceu. Jeremy Corbyn nos deu um modelo que podemos seguir nos próximos anos.

Bhaskar Sunkara, na Revista Jacobin, Junho de 2017

[Nota do tradutor: Bhaskar Sunkara é o fundador e editor da revista Jacobin, que se tornou nos últimos anos o principal veículo da esquerda radical estadunidense. A linha editorial da Jacobin tem sistematicamente se alinhado com as novas expressões políticas e eleitorais do “populismo orientado ao futuro”, apoiando Sanders nas primárias democratas, Mélenchon e a França Insubmissa, o Podemos e o Barcelona em Comum na Espanha, e, ainda mais intensamente do que nesses outros casos, a refundação do Partido Trabalhista pela equipe de Corbyn e a multidão de novos filiados jovens. Os laços da Jacobin com a equipe de Corbyn são fortes, como já havia notado a Vox no perfil que fez da revista, publicado em março de 2016: “The magazine is surprisingly well-connected with policymakers around the world but especially to the administration of Jeremy Corbyn, the British Labour Party’s new radical leader. John McDonnell, who’ll serve as chancellor of the exchequer (the nation’s head economic policymaker) should Labour win the next election, is a regular, loyal reader”. (“A revista é surpreendentemente bem conectada com decisores de políticas ao redor do mundo, mas especialmente à administração de Jeremy Corbyn, o novo líder radical do Partido Trabalhista britânico. John McDonnell, que servirá como chanceler do tesouro (o principal decisor de políticas econômicas da nação) caso o Partido Trabalhista vença a eleição, é um leitor regular e leal.”) O texto que traduzimos abaixo foi publicado quase imediatamente ao anúncio do resultado eleitoral, e constitui um primeiro balanço de uma campanha surpreendente, no qual os trabalhistas começam 20 pontos atrás e terminam, para surpresa geral e desespero do establishment britânico, desfazendo a maioria do partido conservador. Da eleição para cá, a popularidade de Corbyn e do Partido Trabalhista continua a aumentar, com algumas pesquisas recentes dando ao Labour uma vantagem de 6 pontos frente aos Tories [1] caso novas eleições fossem convocadas. Como dizem nossos camaradas do Novara Media: “it will get higher.” (“vai ficar maior”)]

Os conservadores podem ainda estar no poder no final da noite, mas Jeremy Corbyn venceu hoje. Sim, eu sei que isso é um giro sem-vergonha, mas me escute: as últimas semanas reivindicaram a abordagem da esquerda trabalhista, e seus colaboradores internacionais, sob Corbyn.

Esta é a primeira eleição em que o Partido Trabalhista ganha assentos desde 1997, e o partido obteve sua maior votação proporcional desde 2005 — tudo isso saindo de uma desvantagem de vinte e quatro pontos no começo do processo eleitoral. Desde que Corbyn assumiu a liderança no final de 2015, ele sobreviveu a ataque após o ataque de seu próprio partido, culminando em uma tentativa de golpe fracassada contra ele. Como líder trabalhista, não pôde confiar em seus próprios colegas de parlamento ou na burocracia de seu partido. A pequena equipe em torno dele foi bombardeada com vazamentos internos hostis e desinformação, sem falar de uma campanha sem precedentes de difamação na mídia.

Todos os grupos de interesse da elite do Reino Unido tentaram derrubar Jeremy Corbyn, mas ainda assim ele continua de pé. E hoje à noite consolidou uma posição muito mais forte em relação aos centristas do seu partido do que em qualquer momento desde que foi eleito líder trabalhista.

Certo, Corbyn pode não ser primeiro-ministro amanhã. Ele era um “candidato defeituoso”, não era um orador excepcional, cometeu sua cota de gafes, e gosta de comer feijão frio. Tudo isso é verdade. Mas, além da hostilidade externa e da oposição de seu próprio grupo parlamentar, vale a pena lembrar que Corbyn tornou-se líder trabalhista no pior momento desde a criação do partido (1900).

O partido foi desacreditado pelas administrações Blair-Brown [2]  — por suas aventuras militares catastróficas no Iraque, por sua agenda doméstica de privatização e por sua resposta à crise financeira. Os Blairitas haviam conseguido o que queriam: o Partido Trabalhista parecia, cada vez mais, com um partido social liberal, e menos com um partido social-democrata, abraçando o setor financeiro e preparando-se para “modernizar” o estado do bem-estar — destruindo-o. Mas, na época, a esquerda não conseguiu lançar um desafio sério a essa política, e havia eleitores de classe profissional a cortejar.

A base de membros de massa do partido deteriorou-se, assim como seus vínculos com um movimento sindical enfraquecido. A Escócia estava perdida. A única voz anti-establishment nas comunidades anteriormente dominadas pelo partido trabalhista (insatisfeitas com os anos de políticas econômicas neoliberais) era o partido de direita UKIP (anti-União Européia).

Esta foi a situação que Corbyn herdou. E no entanto, contra todas as probabilidades, sua equipe trouxe o Partido Trabalhista de volta à vida. Eles reconstruíram a base de massa do partido, transformando-o no maior partido da Europa, com mais de meio milhão de membros. Momentum, a organização de base criada para apoiar o esforço, organizou dezenas de milhares em comunidades em toda a Grã-Bretanha. As batalhas com o centro e a direita do partido acabaram também ajudando de certa forma, servindo para distanciar a imagem da liderança de um establishment desacreditado. Muitos membros do partido chegaram a se regozijar com a ira da imprensa bilionária.

O partido formulou uma plataforma robusta de esquerda pela primeira vez em décadas. Mesmo quando começou a naufragar nas pesquisas, estava formando o núcleo de uma oposição real, uma alternativa real.

E mesmo se não nos preocupássemos com o programa e apenas quiséssemos ver os Tories fora do governo, é difícil imaginar que um líder trabalhista da direita teria conseguido fazer melhor do que Corbyn. Owen Smith teria inspirado o aumento da participação juvenil que converteu o que deveria ter sido uma vitória conservadora avassaladora em um parlamento sem maioria? Angela Eagle ou qualquer adversário da “esquerda suave” teria conseguido manter País de Gales em mãos trabalhistas? Qualquer outra força que não a esquerda trabalhista teria conseguido começar a reconquistar a Escócia do canto de sereia do Partido Nacional Escocês?

Corbyn salvou esta eleição ao reverter a deriva conservadora do Partido Trabalhista das últimas décadas e mantendo firme suas convicções de esquerda. Seu sucesso fornece um modelo para o que os socialistas democráticos precisam fazer nos próximos anos.

O crescimento dos trabalhistas confirma o que a esquerda vem há muito argumentando: as pessoas gostam de uma defesa direta e honesta dos bens públicos. O manifesto trabalhista foi ousado — o mais socialista em décadas. Um documento direto, que pedia a nacionalização de setores chaves, acesso para todos à educação, habitação e serviços de saúde, e medidas para redistribuir renda das corporações e dos ricos para as pessoas comuns. £ 6,3 bilhões para as escolas primárias, proteção das aposentadorias, matrícula gratuita nas universidades, construção de habitação pública popular — ficou claro o que o Partido Trabalhista faria para os trabalhadores britânicos. O plano foi atacado na imprensa por sua simplicidade antiquada — “para muitos, e não para poucos” — mas ressoou com os desejos populares, com uma visão de justiça que parecia óbvia para milhões.

A esquerda trabalhista lembrou-se de que não se ganha cortejando um centro imaginário — ganha-se fazendo com que as pessoas saibam que você compreende a indignação delas e oferecendo a elas um fim construtivo para o qual canalizar essa indignação. “Exigimos os frutos completos do nosso trabalho”, o vídeo de campanha do partido dizia tudo.

Se o programa econômico imediato do Partido Trabalhista já foi inspirador, [3] a liderança também reavivou uma visão de política social-democrata que olha para além do capitalismo. O mais impressionante sobre o Corbynismo não é que seja um capitalismo do bem-estar social em um era em que o neoliberalismo reina supremo, mas que seus protagonistas vêem os limites inerentes das reformas sob o capitalismo e discutem idéias que visam expandir o escopo de democracia e desafiem a propriedade e controle do capital, não apenas suas riqueza. Que outro grupo de centro-esquerda, após os “anos dourados” da social-democracia (1945–1975), elaborou planos para expandir o setor cooperativo, criar empresas de propriedade comunitária e restaurar o controle do Estado em setores-chave da economia?

Os planos estavam longe de ser exaustivos, mas colocariam o Reino Unido em um curso de transformações socialistas mais profundas no futuro. Esse é um sonho ambicioso, que levará décadas para se concretizar, mas vai muito além do trabalhismo tradicional.

A esquerda trabalhista não é uma mera corrente “social-democrata”. Enquanto o que a social-democracia se transformou no período do pós-guerra muitas vezes tentava atenuar o conflito de classes em favor de acordos tripartites entre o capital, o trabalho e o Estado, a nova social-democracia de Corbyn foi construída sobre o antagonismo de classe e estimula ativamente os movimentos de baixo. Mas o Partido Trabalhista não poderia simplesmente apresentar um programa viajante e fantasioso. Tinha que lidar com questões que os socialistas geralmente não enfrentam. E foi bem sucedido ao apelar ao senso comum dos “muitos” que eles queriam representar.

Quando a questão do terror e da segurança foi levantada durante a campanha, Corbyn mostrou não só que a esquerda não é fraca nessas questões, como, na verdade, em muitos aspectos somos mais críveis do que nossos oponentes. Durante anos, foi dado como certo que, quando se trata de terrorismo, a escolha que a esquerda enfrenta era ou se apegar aos nossos princípios puros e sofrer eleitoralmente por causa deles, ou imitar a retórica belicosa da Direita.

Corbyn encontrou um outro caminho em meio à loucura. Na sequência dos terríveis ataques de Manchester e Londres, o líder trabalhista não teve medo de conectar o imperialismo britânico no exterior e a proliferação do terror islâmico. Corbyn expandiu suas críticas para outros aspectos da política externa britânica: um conjunto de alianças profundamente enraizadas com os Estados do Golfo no centro da reação do Oriente Médio.

Corbyn foi bombardeado pela extrema esquerda por seu pedido de uma resposta proporcional da polícia ao terror. Mas ele delineou uma alternativa ampla, que fala das causas sociais por trás do terrorismo, e usou isso para atacar a xenofobia violenta e alarmista dos Tories. Ao fazê-lo, ele transformou o debate sobre o terrorismo de maneira fundamental. Sempre haverá pessoas alienadas e irritadas envolvidas em atividades anti-sociais, mas Corbyn ofereceu uma maneira de ver atos terroristas como assuntos de segurança a serem tratados em suas raízes, e não como um choque de civilizações.

Não vamos subestimar os eleitores. Depois de anos de guerras e violência sem fim, a maioria deles está pronta para a paz. Corbyn ofereceu-lhes o que eles queriam, e não foi punido por isso.

Mesmo com uma diminuição da maioria conservadora, as coisas não serão só rosas amanhã. Momentaneamente humilhados, os Tories ainda governam. Seus aliados nas elites dos negócios e na mídia se reagruparão. Eles apresentarão novos planos para atacar as pessoas trabalhadoras e os bens públicos.

Mas o partido de Corbyn está melhor posicionado do que qualquer outra formação trabalhista recente para ser uma oposição crível, enraizada em uma visão de esquerda não-envergonhada — para oferecer esperanças e sonhos às pessoas, não apenas medo e expectativas decrescentes.

Ah, e também: Bernie teria ganho [4].

Tradução: Victor Marques – disponível em sua blog no medium

Revisão: Everton Lourenço

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Por Que Tantos Eleitores Jovens Estão Se Apaixonando Por Velhos Socialistas?

Sarah Leonard, no New York Times, 16 de junho, 2017

Com 68 anos, Jeremy Corbyn tem mais anos na ala esquerda do Partido Trabalhista do que muitos de seus mais entusiasmados apoiadores — esses que o impulsionaram para quase ganhar as eleições gerais britânicas desse mês — têm de vida. Bernie Sanders, que levou mais votos da juventude nas primárias de 2016 do que Donald Trump e Hillary Clinton juntos, tem 75 anos, e tem um jeito que, francamente, me lembra o meu avô judeu. Jean-Luc Mélenchon, o candidato apoiado pelos comunistas que, graças a campanha dos jovens, teve uma ascensão meteórica nas pesquisas logo antes do primeiro turno das eleições presidenciais francesas, tem seus joviais 65 anos.

O que tem levado tantos jovens ao trabalho político apaixonado, empurrando velhos socialistas com velhas ideias [5] a novos picos de popularidade? Para entender o que está acontecendo, você precisa se dar conta de que políticos como o Sr. Sanders e o Sr. Corbyn têm carregado a tocha da esquerda numa espécie de corrida de longa distância, pulando gerações de centristas como Bill Clinton e Tony Blair, para entregá-la nas mãos dos que têm hoje menos de 35. E é preciso entender porque hoje a juventude está tão disposta a agarrar essa tocha e correr com ela.

Tanto a Grã-Bretanha quanto os Estados Unidos costumavam ter partidos que ao menos declaravam fidelidade à classe trabalhadora. Mas desde a década de 1970, acelerando nos anos 80 e 90, as tábuas de esquerda têm sido arrancadas, uma a uma, de suas plataformas. [6] Sob o Sr. Blair, o Partido Trabalhista reescreveu sua famosa Cláusula IV, que comprometia o partido ao objetivo de “propriedade comum dos meios de produção, distribuição e troca”. Sob o Sr. Clinton, o Partido Democrata cortou programas sociais e empurrou acordos de livre-comércio internacionais contra os interesses dos trabalhadores. Escrevendo em 1990, Kevin Phillips, um ex-estrategista de Richard Nixon, chamou os democratas de “o segundo partido mais entusiasmadamente capitalista da história”. Enquanto isso na Europa, partidos socialistas tradicionais se tornavam cada vez mais envelhecidos e camaradas das grandes empresas. Tudo isso deixou muitos eleitores com a sensação de que simplesmente não existia mais um partido de esquerda dedicado a proteger os interesses dos pobres, da classe trabalhadora e da juventude.

No entanto, pessoas da minha idade — tenho 29 — estão precisando agora mais que nunca de uma robusta plataforma de esquerda. A ordem capitalista pós-Guerra Fria falhou com a gente: ao longo da Europa e dos Estados Unidos, os millennials se encontram em condições de vida piores que seus pais e são pobres demais para iniciar famílias. Nos Estados Unidos, esses millennials estão sobrecarregados de dívida estudantil (ou com probabilidades muito menores de encontrar emprego se não tiverem educação superior) e trabalhando em condições precárias, sem a proteção de sindicatos. Ah, e também: o planeta está derretendo.

Não há nada de inerentemente radical na juventude. Mas nossa política atual foi marcada por uma era de crise financeira e cumplicidade dos governos. Especialmente desde 2008, temos visto as grandes corporações tomarem as casas de nossas famílias, explorar nossa dívida médica e retirar nossos empregos. Vimos governos imporem uma austeridade brutal para satisfazer banqueiros. Os capitalistas não fizeram isso por acidente, fizeram por lucro, e investiram esses lucros comprando nossos partidos políticos. Para muitos de nós, o capitalismo é algo a se temer, não a se celebrar, e nosso inimigo está em Wall Street e na City de Londres.

E uma vez que nos tornamos conscientes da política bem depois de 1989, não ficamos instintivamente assustados com socialismo. Na verdade, achamos até atraente: uma pesquisa conduzida por Harvard em 2016 mostrou que 41% dos americanos entre 18 e 29 anos rejeitam o capitalismo, e um terço disse apoiar o socialismo. Uma pesquisa da Pew de 2011 mostrava já que essa mesma faixa etária tinha uma visão mais favorável do socialismo do que do capitalismo. O que socialismo efetivamente significa para esses millennials está em fluxo — mostra mais um afastamento do capitalismo do que o compromisso com uma plataforma específica. De todo modo, para essa geração certos programas universais — saúde pública para todos, educação pública, universidade gratuita — ,e fazer com que os ricos paguem, são apenas senso comum.

Nas urnas, nossas opções têm sido relativamente limitadas. Os liberais da era Clinton e Blair mutilaram a capacidade de seus partidos para se contraporem aos problemas do capitalismo. Mas enquanto os partidos de centro-esquerda se jogaram nos braços acolhedores dos banqueiros, o Sr. Corbyn e o Sr. Sanders se mantiveram fiéis à sua política de esquerda.

Em maio, quando o novo manifesto do Partido Trabalhista — propondo educação universitária gratuita e ampliação do financiamento do Serviço Nacional de Saúde — foi vazado, a imprensa tradicional inglesa respondeu com escárnio: “O Manifesto dos Trabalhistas nos Arrastará de volta para a década de 70”, lia-se em uma manchete do Daily Mail (de fato, algumas propostas do Sr. Corbyn, como a nacionalização das ferrovias e das companhias de água, fazem lembrar diretamente dos compromissos trabalhistas com a Cláusula IV). Para alguns leitores isso pode ter soado como uma ameaça, mas para muitos jovens parecia mais uma promessa. Depois das manchetes, o resultado dos trabalhistas nas pesquisas decolou. Nas eleições de 8 de junho, o partido terminou com chocantes 40% dos votos, sua maior proporção em anos. E muito desse sucesso foi graças aos eleitores jovens.

Claro que o Sr. Corbyn, que é famoso por ir de bicicleta ao trabalho e ser “totalmente contra o açúcar por razões de saúde”, tem um certo charme asceta. E há algo de cativantemente despretensioso no sotaque do Brooklyn de Sanders e na sua aparência descuidada. Mas parece seguro dizer que o sucesso deles com o público jovem foi baseado nas plataformas, não no carisma.

E isso é uma boa coisa também, uma vez que, mais cedo ou mais tarde, essas plataformas vão precisar encontrar novos representantes. A classe trabalhadora estadunidense é cada vez mais racialmente diversa. Uma política intensamente contestada em torno de raça, gênero e sexualidade dão forma ao nosso terreno político (e à nossa experiência de mobilidade social descendente). O Sr. Sanders tem insuficiências nesse quesito: ele já confessou que quando começou a campanha não compreendia bem a escala da brutalidade policial, e soa desajeitado quando vai falar de raça e gênero.

A vantagem é que a campanha de Sanders e a liderança de Corbyn prepararam o caminho para uma nova política socialista que não se parece com eles.

No dia seguinte às eleições britânicas, voei para Chicago para falar na Cúpula dos Povos, uma convenção nacional de militantes progressistas e de esquerda organizada pelas pessoas da campanha do Sanders junto com o movimento das Enfermeiras Nacionais Unidas.

Estava lá também a próxima geração de organizadores e candidatos da esquerda: Linda Sarsour, uma palestina-americana de 37 anos de Nova York conhecida por suas habilidades de construir pontes entre comunidades; Dante Barry, o jovem de 29 anos diretor executivo do movimento Um Milhão de Capuzes por Justiça, e Maria Svart, também em seus 30, que se tornou em 2011 a diretora nacional dos Socialistas Democráticos da América.

Encontrei muita gente jovem que se radicalizou nos últimos anos e que está agora se juntando a campanhas em suas comunidades por saúde pública universal nos estados e habitação popular. Essas campanhas existem porque velhos ativistas carregaram a tocha. De toda essa atividade é quase certo que vá emergir uma nova geração de candidatos socialistas que possa efetivamente refletir o que é o povo estadunidense. [7]

Quando o Sr. Sanders subiu ao palco, olhei ao redor para ver centenas de jovens militantes vibrando com seu programa de socialismo democrático. Andei pela convenção e vi pessoas da minha própria idade apresentando novas revistas e organizações de esquerda. Um amigo me mandou um emoji do Corbyn: dedões pra cima.

Três dias depois das eleições gerais, o Sr. Corbyn sentou para uma entrevista com Andrew Marr na BBC. O Sr. Marr pressionou o líder do Partido Trabalhista sobre a viabilidade de tornar sua plataforma em efetivas políticas públicas, no governo. Estaria o Sr. Corbyn, a essa altura de sua carreira, realmente nisso para o longo prazo? “Olhe pra mim!”, ele disse, “eu tenho a juventude do meu lado”.

Tradução: Victor Marques – disponível em seu blog no medium

Revisão: Everton Lourenço

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Corbyn é Muitos

Victor Marques, em seu blog no Medium, Junho de 2017

Quando Jeremy Corbyn anunciou a intenção de concorrer à liderança do Partido Trabalhista dois anos atrás, a maior parte dos analistas políticos acreditava que ele não seria sequer capaz de reunir o número mínimo de 35 assinaturas do grupo parlamentar necessárias para registrar a candidatura. De fato, foi o último candidato a se inscrever, faltando apenas 2 minutos para o prazo final, e só conseguiu porque 12 deputados que apoiavam outras candidaturas aceitaram assinar o registro de Corbyn para “ampliar o debate” (alguns desses se arrependeriam amargamente depois). A esquerda trabalhista estava em seu momento de maior fragilidade na história do partido, e a candidatura era vista como apenas uma maneira de marcar uma posição política interna contra a austeridade. A bolsa de apostas dava a Corbyn a ínfima chance de vitória de 1 para 200. Poucas semanas depois, o improvável veterano socialista ganha a disputa com 60% dos votos.

Era apenas o começo de uma brutal guerra interna. Um anos depois, após a inesperada vitória do Leave no referendo, a bancada parlamentar — dominada pelos blairistas e abertamente hostil à nova direção — aprova um voto de não-confiança contra Corbyn. A alegação era de que Corbyn era um líder impopular e “inelegível”, que estava destruindo qualquer chance de vitória eleitoral para os trabalhistas. Segue-se uma nova disputa pela liderança. Dessa vez, todas as correntes se unem em torno de uma única candidatura contra Corbyn — que não só vence com folga novamente, mas até amplia a vantagem para 62%.

A imagem do partido, e do próprio Corbyn, saem arranhadas do conflito. A intenção de voto colapsa; algumas pesquisas chegam a apontar uma diferença de 25 pontos para os conservadores frente aos trabalhistas.

Theresa May aproveita a fraqueza da oposição para, oportunisticamente, adiantar as eleições gerais que estavam previstas para acontecer apenas em 2020. O objetivo declarado era ampliar a maioria que os conservadores já tinham, sob a justificativa de conduzir as negociações do Brexit com uma liderança “forte e estável”. Os comentaristas eram então unânimes em prever uma derrota humilhante para os trabalhistas e uma super-maioria conservadora.

Então, algo surpreendente acontece. Os comícios de Corbyn começam a atrair multidões — as maiores desde a segunda guerra mundial. Mais de 2 milhões de jovens se registram para votar pela primeira vez. Dezenas de milhares se voluntariam para fazer campanha batendo de porta em porta. Pouco a pouco a diferença vai diminuindo nas pesquisas. Em um mês a vantagem de mais de 20 pontos cai para 2. Quando as urnas finalmente abrem, o resultado é catastrófico para May: os conservadores perdem assentos ao invés de ganhar, e ficam sem a maioria que tinham — para formar governo se veem obrigados a fazer uma coalizão, sem precedentes, com a extrema-direita fundamentalista da Irlanda do norte, conhecida por suas posições misóginas, homofóbicas e anti-científicas. Os trabalhistas, por outro lado, ganham 33 novas cadeiras, e levam mais de 40% do voto popular, a maior proporção desde 1997. Em número de votos, é o maior incremento para o Labour, de uma eleição a outra, desde 1945. Novas eleições ainda esse ano passa a ser um cenário provável, e dessa vez os trabalhistas é que sairiam na frente: pesquisas feitas já depois do pleito apontam agora que os trabalhistas ganhariam com 45%, contra 39% dos conservadores.

Como Corbyn e o Partido Trabalhista conseguiram virar o jogo — de uma derrota certa e humilhante para o que só pode ser considerada como uma efetiva vitória política — em tão pouco tempo? Apontando para o futuro. No manifesto eleitoral lançado pelo partido, afirmava-se explicitamente uma ruptura com a linha neoliberal adotada desde Tony Blair. O documento falava de “propriedade pública e controle democrático”, previa a nacionalização das ferrovias, dos correios, do sistema de água e eletricidade, o fortalecimento dos serviços públicos financiado pelo aumento de impostos sobre os mais ricos, democratizar o acesso às novas tecnologias e colocá-las a serviço do bem comum. Era uma crítica não só às políticas de austeridade como à própria ideia de fim da história, propondo em seu lugar a radicalização da democracia, a participação cidadã e a inventividade política. O chamado a construir um outro amanhã atraiu principalmente a juventude, que saiu a votar como não fazia há muito tempo: o comparecimento saltou de 43% (em 2015) para 72%. Estima-se que dois terços do jovens que votaram escolheram os trabalhistas. E a juventude não está apenas aparecendo para entregar o voto, mas ativamente engajando-se no trabalho de organização política. O resultado é um partido reenergizado e rejuvenescido, que mais triplicou seu número de filiados, tornando-se o maior da Europa.

No núcleo desenvolvido do capitalismo, o Occupy Wall-Street e os movimentos das praças de 2011/2012 marcaram um ponto de inflexão de crucial importância para a esquerda militante: a retomada de sua vocação majoritária. Não se trata mais de se apresentar como marginal, como uma nobre resistência sacrificial, cujo número reduzido atesta sua coerência e pureza. Agora nós somos o 99%, somos a maioria — somos muitos, não poucos. A campanha de Corbyn soma a essa estratégia populista uma eficaz tática eleitoral. O que a multidão de jovens que invadiu, ocupou e tomou para si o Partido Trabalhista conseguiu foi armar com uma organização e um programa a indignação difusa contra o stablishment. Funcionou. Essa mobilização massiva de uma nova geração militante está se transformando em padrão por todo o mundo; é como se após anos de apatia e despolitização estivéssemos agora testemunhando os primeiros passos de um levante global da juventude urbana. Articulando a multiplicidade de identidades em luta e canalizando a insubmissão das ruas para um projeto coletivo, essa juventude vem mostrando que é possível construir uma nova maioria social, orgulhosamente orientada ao futuro, confiante em sua própria potência e disposta a sair das margens para disputar o centro do tabuleiro — com desejo de ganhar. Não por acaso, Corbyn encerrou a campanha do Labour declamando o poeta inglês Percy Shelley: “Levantem-se, como leões/ saindo da sonolência/ em um número invencível./ Lancem suas correntes à terra/ como orvalho que lhes caiu durante o sono/ Vocês são muitos — eles são poucos”.

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A Fadiga do Desespero

Como a desesperança se tornou entediante.

David Graeber, na Revista The Baffler, Junho de 2017

É possível ficar entediado com a desesperança?

Há razões para se acreditar que algo assim está começando a acontecer na Grã-Bretanha. Pode chamar de “fadiga do desespero”.

Por quase meio século, a cultura britânica, particularmente à Esquerda, fez do desespero uma forma de arte. Esta é a terra onde “No Future for You” [“Nenhum Futuro Para Você”] se tornou o lema de uma geração, e depois de outra, e depois outra. Do desmoronamento de seu império, ao desmoronamento de suas cidades industriais, ao atual desmoronamento de seu Estado de Bem-Estar, o país parecia estar explorando todas as permutações possíveis do desespero: desespero como fúria, desespero como resignação, desespero como humor, desespero como orgulho ou prazer secreto. É quase como se agora o desespero tivesse finalmente se esgotado.

Na superfície, e de longe, a Grã-Bretanha parece estar passando por um dos mais estranhos paroxismos de autodestruição masoquista da história mundial. [8] Desde a vitória dos Conservadores em 2010, primeiro em coalizão com os Liberal-Democratas e agora por conta própria, o governo britânico tem buscado desfazer sistematicamente muito do que torna a vida no país boa e decente. Os líderes conservadores começaram destruindo o uma vez orgulhoso sistema universitário do Reino Unido, enquanto mantinham os olhos na maior fonte de orgulho e dignidade nacional, as garantias de saúde universal do Serviço Nacional de Saúde. Tudo isso está sendo feito em nome de uma doutrina econômica – austeridade, a necessidade imperativa de disciplina fiscal [9] – na qual ninguém acredita genuinamente e cujos resultados quase todos deploram (incluindo o ex-primeiro-ministro David Cameron, que em particular tem denunciado o declínio de seus serviços públicos locais), em resposta a uma crise existencial que não existe.

Como isso aconteceu? Parece que toda a classe política ficou presa na narrativa bizarramente bem sucedida que varreu o caminho dos conservadores para o poder após o colapso de 2008 e que ainda os sustenta muito depois de suas conseqüências ultrapassarem qualquer nível de humanidade ou de senso comum.

Ópera do Crescimento e do Colapso

Praticamente todos os principais governos foram chutados do poder após o colapso, e a aparência política do governo em questão determinou em grande parte a narrativa popular sobre o que causou a crise. Nos Estados Unidos, foi culpa de George W. Bush, de modo que o ônus popular caiu sobre os CEOs e gestores de fundos hedge [10] que Bush costumava se referir, em eventos de arrecadação de campanha, como sua “base”. Nenhum deles foi processado, mas a maioria dos estadunidenses sentiu fortemente que eles deveriam ter sido. No Reino Unido, onde o Partido Trabalhista de Gordon Brown estava sentado em Downing Street [11], todo mundo aceitou a narrativa da oposição de que a crise britânica resultou de gastos sociais irresponsáveis ​​e déficits governamentais. [12] Na verdade, os Tories descobriram que apelar para uma retórica de sacrifício compartilhado, aperto do cinto e até mesmo sofrimento coletivo ressoou no público britânico. Isso foi talvez mais verdadeiro entre os eleitores da classe trabalhadora. Agora quase totalmente despojados de qualquer sentido de comunidade, vizinhança ou solidariedade no local de trabalho por décadas de engenharia social de Direita [13], eles viam os tempos difíceis e o racionamento da Segunda Guerra Mundial como a última vez em que os britânicos haviam agido com um propósito comum genuíno.

Os efeitos sociais dos cortes nos gastos – todos visando ostensivamente a redução da dívida supostamente catastrófica pairando sobre o governo – foram devastadores. As universidades britânicas, que há não tantos anos atrás (como na maioria da Europa) eram totalmente gratuitas, passaram a estar entre as mais caras do mundo. A habitação social foi saqueada, subsídios foram cortados, e a ocupação de propriedades residenciais foi tornada ilegal exatamente no momento em que dezenas de milhares estavam sendo “deslocadas” de seus lares. Ser pobre agora significa ser infinitamente avaliado, monitorado e pesquisado, e quase invariavelmente ser considerado um fracasso. Ninguém sabe de verdade quantos milhares de pessoas morreram como resultado da queda-livre no suporte dado pelo governo, mas para termos apenas uma ideia: entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2014, o Departamento de Trabalho e Pensões informou que 2.380 britânicos anteriormente recebendo o suporte de deficiência foram encontrados mortos não mais do que seis semanas depois de receberem a notificação de que estavam tendo seus benefícios cortados porque tinham sido avaliados como estando “aptos para trabalhar”.

Uma razão pela qual isso pode ter acontecido é que não tem havido praticamente nenhum debate público sobre a austeridade em si. Por exemplo, nunca um grande portal de notícias de TV recebeu um painel de economistas para discutir se a dívida pública era realmente a causa da crise econômica, ou para debater o que seria uma resposta mais apropriada: se a austeridade no estilo europeu ou o estímulo fiscal no estilo Obama. As únicas questões eram qual deveria ser o tamanho do corte no orçamento e onde os cortes deveriam incidir. [14] Esta confiante narrativa dos Tories reinou inconteste desde os golpes mais rudes no Daily Mail até a mais esculpida eminência da BBC (supostamente socialista), e todas as figuras de autoridade pública se agarraram a ela mesmo depois que os efeitos imediatos dos cortes se mostraram espetacularmente ineficazes. Mesmo quando o “duplo mergulho” virou “mergulho triplo” [15] e o ministro da fazenda dos Tories, George Osborne, dobrou suas apostas, ao fazer promessas cada vez mais estranhas (que todos os futuros governos gerariam um excedente, que a Grã-Bretanha eliminaria completamente sua dívida nacional, etc. [16]), quase nenhum grande “especialista” político, editorialista, ou o comentador de TV quebrou as fileiras. E quando, após anos de miséria abjeta, a economia, inevitavelmente, começou a se agitar um pouquinho, todos proclamaram instantaneamente que Osborne havia sido vingado. [17]

Este consenso, estranhamente, não tem nada a ver com as opiniões dos economistas profissionais. Quase todos os economistas britânicos entendiam que os déficits crescentes de 2008 e 2009 foram causados pela crise bancária, e não o contrário. Da mesma forma, qualquer pessoa que prestasse atenção sabia que os cortes dos serviços públicos para “economizar dinheiro” reduziam a atividade econômica e, assim, as receitas fiscais do governo – e que, portanto, tinham na verdade o efeito de aumentar, não diminuir os déficits. [18] A maioria também entendia que os déficits não eram realmente um problema tão grande, para começo de conversa. Mas mesmo a opinião de economistas conhecidos foi, de repente, excluída do debate público. Chegando em 2012, mesmo o FMI estava emitindo declarações pedindo aos Tories que soltassem a mão. Mas você nunca aprenderia nada disso no Times, no Observer ou na BBC.

Como pode que esse desafio completo à realidade tenha se mantido em um país com uma imprensa formalmente livre e uma população altamente educada? Até certo ponto, é o conhecido “efeito bolha”. Políticos, jornalistas, lobistas, CEOs e burocratas corporativos raramente falam com alguém além de seus pares. Eles constituem um universo intelectual à parte. Dentro deste universo, as políticas econômicas são projetadas principalmente para a comercialização política; a ciência econômica existe em grande parte para fornecer diagramas e equações impressionantes para vendê-las. Frases projetadas em think tanks e grupos focais (“mercados livres”, “criadores de riqueza”, “responsabilidade pessoal”, “sacrifício compartilhado”) são repetidas como encantamentos até que tudo pareça tanto com um senso comum impensado que ninguém nem mesmo chegue a perguntar o que a imagem resultante tem a ver com a realidade social. É verdade, a lógica da bolha só pode ser mantida por uma certa ignorância ilustrada de como a economia realmente funciona. Uma pesquisa de 2014 descobriu, por exemplo, que 90% dos deputados com mandato, com todos os seus inúmeros debates sobre a necessidade de economizar dinheiro, não sabiam de onde o dinheiro vem. (Eles achavam que ele era criado pela Royal Mint.)

O efeito de bolha não é exclusivo da Grã-Bretanha, é claro. O debate político nos Estados Unidos, no Japão ou na Alemanha funciona da mesma maneira. Mas na Grã-Bretanha, as coisas chegaram tão longe que estamos começando a ver um clássico efeito de reforço do tipo “Grande Mentira” [19]. Quando a realidade consensual se torna tão completamente divorciada da realidade realmente existente, quando tantas pessoas inocentes têm sofrido como resultado, e quando qualquer um que aponte isso seja denunciado, de forma consistente e agressiva, como um terra-planista-com-papel-alumínio-na-cabeça (ou um trotskista), quebrar as fileiras significaria admitir que os lunáticos estavam certos. E não há nada que a mídia estabelecida seja mais relutante em fazer.

O divórcio entre consenso e realidade se tornou tão extremo e impraticável que até mesmo os tecnocratas encarregados de executar o sistema começaram a gritar falta. Em 2014, o Banco da Inglaterra – seus economistas aparentemente esgotados por terem de implementar políticas econômicas em um mundo inventado e de ponta cabeça, projetado apenas para beneficiar os ricos – emitiu um relatório sobre “Criação de Dinheiro na Economia Moderna” que efetivamente destruía toda a base teórica para a austeridade. O dinheiro, eles observaram, não é criado pelos governos, nem mesmo pelos bancos centrais, que devem ter cuidado para não fazer muito disso para que não iniciem inflação; é na verdade criado por bancos privados quando fazem empréstimos. Sem dívidas, não haveria dinheiro. Os economistas heterodoxos pós-keynesianos, regularmente denunciados como uma franja lunática por aqueles comentadores dispostos a reconhecer sua existência, estavam certos.

Nenhum grande veículo de notícias considerou isso uma história digna de repercussão; os políticos continuaram a pregar seus contos de moralidade sobre os males da dívida exatamente como antes.

Nada Além de Classe

Então, qual é a base real da economia britânica? Ela é, afinal de contas, a quinta maior do mundo.

É importante lembrar que, apesar de muita retórica em contrário, a economia do Reino Unido, como as de outros países ricos, é em grande medida auto-sustentável. Ainda existem fazendas, fábricas, minas, áreas de pesca e oficinas artesanais, que continuam a atender a maioria das necessidades materiais do país. Muito do sentimento de que a Grã-Bretanha se desindustrializou é devido ao declínio das fábricas gigantes de meados do século XX. Mas estas sempre foram uma anomalia: desde o auge da Revolução Industrial até a era vitoriana, quando a Grã-Bretanha liderava o mundo na produção e na inovação tecnológica, a economia era dominada por uma combinação de altas finanças e pequenas empresas familiares – muito como é hoje.

Ainda assim, em muitos aspectos a Grã-Bretanha se assemelha a uma economia imperial: enquanto exporta maquinário, produtos farmacêuticos, plásticos, gasolina e toda uma variedade de produtos artesanais de alta-qualidade, em termos materiais totais, ela recebe muito, muito além do que envia para outros países. Então, devemos fazer uma pergunta simples: por que outros países continuam a enviar suas coisas para a Grã-Bretanha? Como é que a ilha consegue levar muito mais do resto do mundo do que lhes dá em troca?

A resposta convencional é, claro, “serviços financeiros”. A economia do Reino Unido agora gira em torno de seu centro financeiro, a City [20] de Londres, cujas maiores empresas desempenham um papel enorme na coordenação do comércio internacional. As vantagens da City são, em parte, apenas aquelas do fuso-horário do meridiano de Greenwich: um bilionário no Catar ou Mumbai pode fazer uma chamada para seu corretor em Londres com apenas algumas horas de diferença; em Nova York, ainda mais na Califórnia, é provável que seja o meio da noite. Além disso, o mesmo bilionário pode falar com um corretor com um sotaque familiar e reconfortante de Oxbridge, dando-lhe a sensação agradável de ter agora o neto das ex-autoridades coloniais de seu país à sua disposição.

Certamente há algo de verdade nisso. Mas não pode ser toda a explicação. A escala é simplesmente grande demais. As pessoas no Brasil ou na Coréia realmente enviam inúmeros navios com contêineres cheios de aço, carros ou computadores para a Grã-Bretanha porque estão encantados com os acentos de Oxbridge ou impressionados com suas habilidades com a papelada? Porque a papelada, afinal de contas, é tudo o que os “serviços financeiros”, em última instância, são, e há muitas pessoas no Brasil e na Coréia que são extremamente boas em lidar com papelada também.

Outro argumento, comum nos círculos esquerdistas, é que a Grã-Bretanha está apenas colhendo os benefícios da sua posição como leal tenente do império norte-americano. O “sistema financeiro” patrocinado pelos EUA é, conforme economistas como Michael Hudson tem argumentado, em grande parte um sistema de extorsão, um meio de extrair algo que, se não for idêntico, então é muito parecido com um tributo imperial sobre o resto do mundo. A Grã-Bretanha, assim entendida, poderia então ser vista como facilitando o processo dentro de seus próprios antigos territórios imperiais – talvez com um olho encoberto para lançar suas fidelidades para a China e a Índia, quando chegar o momento delas. Sem dúvida há algo de verdade nisso também, mas, de novo, dificilmente é a explicação completa. No Reino Unido, a “finança” está baseada acima de tudo no setor imobiliário, e a bolha imobiliária que sustenta a City se sustenta no fato de que praticamente todos os bilionários do mundo sentem que precisam manter pelo menos um apartamento, e frequentemente uma casa maior, em uma parte elegante de Londres. Por quê? Há muitas outras cidades modernas e bem equipadas no mundo, a maioria das quais possuem um clima decididamente mais aprazível. No entanto, ainda mais do que, digamos, Nova York ou São Francisco, o setor imobiliário de Londres se tornou algo como os títulos do Tesouro dos EUA, uma moeda básica dos ricos internacionais.

É quando se faz perguntas como essas que a economia e a política se tornam indistinguíveis. Aqueles que têm investigado a situação acham que o apelo de Londres – e, por extensão, da Grã-Bretanha – depende de dois fatores. Em primeiro lugar, oligarcas russos ou princesas sauditas sabem que podem obter praticamente tudo o que quiserem em Londres, desde candelabros antigos e dispositivos de espionagem de alta tecnologia, até babás no estilo Mary Poppins para seus filhos, lagostas frescas entregues de bicicleta ainda de madrugada, e toda variedade concebível de serviços sexuais, música e comidas exóticos. Além disso, tudo será entregue por uma população de classe trabalhadora alegre, criativa e subserviente que, com base em séculos de tradição, sabe exatamente como ser serviçais. O segundo fator é a segurança. Se alguém é um novo rico, magnata da construção civil ou um comerciante de diamantes de Hong Kong, Deli ou Bahrein, estará bem consciente de que em casa algo ainda pode dar terrivelmente errado: uma revolução, uma reviravolta súbita das políticas do governo, expropriação, agitação violenta. Nada disso poderia acontecer em Notting Hill ou Chelsea. Qualquer mudança política que afetaria significativamente os mais ricos foi efetivamente retirada da mesa desde a Revolução Gloriosa de 1688.

Em outras palavras, a histórica derrota e humilhação das classes trabalhadoras britânicas é agora o principal produto de exportação da ilha. Ao organizar toda a economia em torno da bolha imobiliária resultante, os Tories asseguraram que a maior parte da população britânica saiba, pelo menos em algum nível tácito, que é precisamente o apelo global do sistema inglês de classes – indo até (e incluindo) o sorriso desdenhoso dos graduados da Oxbridge no parlamento abafando risos com a remoção iminente dos benefícios da habitação – que está mantendo o fluxo de tênis esportivos, de cerveja e de eletrônicos de consumo acessíveis para o país. É um dilema impossível. Não é surpreendente, então, que tantos se voltem para os cínicos populistas de direita como o UKIP, que manipulam a indignação resultante ao fomentar a fúria contra trabalhadores poloneses de construção civil em vez de oligarcas russos, contra motoristas de Bangladesh em vez de príncipes do Qatar, contra porteiros das Índias Ocidentais em vez de magnatas brasileiros do aço.

Este marketing da subordinação de classe é a essência da estratégia econômica Tory. A indústria pode ser derrotada e o sistema universitário se tornar (novamente) um parquinho para os ricos, mas mesmo que isso leve a um colapso da tecnologia e da economia do conhecimento, o resultado final apenas selará mais firmemente o sistema de classes que produz políticos Tory: a Inglaterra literalmente não terá nada mais para vender.

As políticas do “Novo Trabalhismo” de Tony Blair (que, apesar de ser financiado por uma base de classe trabalhadora, representava essencialmente a sensibilidade das classes de profissionais liberais), tentaram forjar uma visão alternativa. Para os Blairistas, o futuro do Reino Unido estava no que eles chamavam de “indústrias criativas”. O Reino Unido não havia, regularmente desde os anos sessenta, produzido ondas de música e cultura juvenil popular que haviam varrido o mundo, trazendo bilhões em receita direta e indireta? Pode ter parecido uma jogada plausível na década de noventa, mas fracassou porque os Blairistas estavam operando com uma compreensão completamente falsa de onde a criatividade cultural vem.

Eles ingenuamente assumiram que a criatividade era basicamente um fenômeno de classe média, o produto de pessoas como eles próprios. De fato, quase tudo que vale a pena vindo da cultura britânica durante o século passado, desde o music hall, até os kebabs de rua, a comédia de stand-up, o rock and roll e a cena rave, tem sido principalmente fenômenos da classe trabalhadora. Essencialmente, essas eram as coisas que a classe trabalhadora criava quando não estavam trabalhando “de verdade”. [21] O surgimento da cultura popular britânica dos anos sessenta foi inteiramente um produto do Estado de Bem-Estar Social do Reino Unido, à época muito generoso. Há uma razão para que, nas gírias das rimas Cockney, a palavra para o  “seguro desemprego” seja “rock and roll” (“he got the sack, he’s on the rock ‘n’ roll again” [“ele foi mandado pra rua, está na base do rock ‘n’ roll novamente”): uma proporção surpreendente de grandes bandas que mais tarde varreriam o mundo passaram pelo menos alguns dos seus anos formativos no auxílio-desemprego. Os Blairistas foram estúpidos o suficiente para combinar a promoção de sua “Cool Britannia” [“Bretanha Descolada”] com reformas maciças no sistema de bem-estar social, o que efetivamente assegurava que o projeto todo desabasse espetacularmente, uma vez que forçaram que praticamente qualquer um com o potencial para se tornar o próximo John Lennon passasse o resto de suas vidas empilhando caixas na Tesco local como parte das novas condições para receber os programas de bem-estar.

No final, tudo o que os Blairistas conseguiram produzir foi um setor de marketing de nível mundial (já que é nisso que pessoas da classe média são realmente boas); tirando isso, eles não teriam nada mais para exibir para si mesmos.

O Retorno do Futuro

Tudo isso pode parecer irremediavelmente sombrio. Ainda mais surpreendente, então, que a principal reação à esquerda, começando timidamente com o movimento estudantil de 2010 e agora explodindo em todos os lugares, esteja sendo uma onda de otimismo quase insolente e um retorno (reconhecidamente hesitante) a visões utópicas. [22] É por isso que comecei a falar de “fadiga do desespero”. Há uma percepção – ainda pequena, mas crescente – de que se a Grã-Bretanha vier a voltar a entrar para a história, se for existir qualquer tipo de visão grande e positiva para o seu futuro, essa visão só pode vir da esquerda.

Ao fim e ao cabo, as visões dos Tories e do Novo Trabalhismo não são visões de verdade. De fato, no tempo de Thatcher e, até certo ponto mesmo no de Tony Blair, os reformadores de mercado deram um jeito de se apresentarem, de certo modo, como os verdadeiros revolucionários. Não mais. [23] O mesmo tipo de apoio insincero é dado à idéia de que os entusiastas do mercado são jovens, entusiasmados e expertos em tecnologia, e que aqueles que defendem os restos do Estado de Bem-Estar Social são um bando de velhos amargos que se queixam no pub. [24] Este simulacro também está se tornando cada vez mais vazio. Tendo estabelecido sua realidade consensual, a única coisa que sobrou para as classes políticas é defendê-la. Todos sabem que os Conservadores mantém as rédeas precisamente porque conseguiram convencer o público de que são conservadores; sua “competência” fabulosa se resume ao argumento de que só eles conseguiriam manter as coisas juntas, mais ou menos como existem atualmente, antes do advento de alguma catástrofe inevitável, cujos contornos precisos não podemos saber.

Enquanto isso, nas ruas e nos municípios, a Grã-Bretanha está sofrendo uma mudança radical, um verdadeiro florescimento da resistência. É muito difícil conhecer a sua escala real porque, ao contrário do que aconteceu em gerações anteriores, a mídia se recusa a falar sobre isso. Talvez porque quando eles falam, os resultados raramente são o que esperavam. Em 9 de maio de 2015, o dia após a vitória da eleição Tory ser declarada, antes que a inevitável nova rodada de cortes pudesse ser anunciada, houve uma pequena revolta na frente dos escritórios do primeiro ministro em 10 Downing Street. Centenas de estudantes ativistas enfrentaram a polícia; vários deles, sendo socados e chutados por oficiais uniformizados, realmente revidaram; bombas de tinta foram jogadas, chamas começaram e o memorial das Mulheres da Segunda Guerra Mundial foi pintado com o slogan familiar “Fuck Tory Scum” [“Foda-se a Escória Tory”]. Os editores do tablóide de Direita, o Daily Mail, decidiram que o clima público era tal que seria possível reportar isso, e publicaram uma enorme tiragem com imagens impressionantes sob a manchete “Anarchist Mob Planning Summer of Thuggery” [algo como “Gentalha Anarquista Planejando Verão de Baderna”]. Dentro de vinte e quatro horas eles ficaram horrorizados ao descobrir que na seção de comentários, a opinião entre seus próprios leitores estava em algo como cinco contra um à favor da baderna anarquista. Mesmo a “profanação” do memorial não escandalizou tanto quanto imaginavam. Afinal, a maioria dos britânicos está bem ciente de que a primeira coisa que os veteranos fizeram, ao retornar da guerra, foi expulsar o governo Tory de Churchill e votar em um que prometeu presidir a criação de um moderno Estado de Bem-Estar Social, precisamente o trabalho que os inquilinos atuais da Downing Street estão tentando desmantelar. Os manifestantes estavam simplesmente defendendo o legado desses veteranos e anunciando o que eles, se vivos, provavelmente diriam.

Entre ocupações de estudantes, ocupações habitacionais, ações de rua e um ressurgimento do sindicalismo radical, tem havido um aumento da resistência sem precedentes. Mas ainda mais importante, isso começou, mesmo que de forma hesitante, a assumir um espírito muito diferente das ações desesperadas e de retaguarda dos anos anteriores. Afinal, até mesmo as lendárias revoltas do “imposto de votação” que desalojaram Thatcher eram ou apontavam para o passado ou eram, alternadamente, amargos e niilistas. Os slogans de Guerra de Classes (“The Royal Question: Hanging ou Shooting?” [algo como “a questão da realeza: enforcamento ou fuzilamento?”]) eram talvez provocadores, mas dificilmente utópicos.

É aqui que entra a noção de fadiga do desespero.

Pode-se argumentar que seus inícios já estavam visíveis na cultura popular. Testemunham o surgimento da escola socialista escocesa de ficção científica, que, após o distopianismo implacável dos anos setenta, oitenta e noventa [25], liderou o caminho para uma tendência mais ampla, ao brincar com futuros redentores uma vez mais. Depois, havia Steampunk [algo como “punk-à-vapor”], certamente a mais peculiar das tendências de contra-cultura, uma espécie de futurismo vitoriano desajeitado, cheio de computadores e aeronaves alimentados a vapor, ciborgues de cartola, cidades flutuantes alimentadas por bobinas Tesla e uma infinita variedade de tecnologias que nunca apareceram realmente. Lembro de assistir a uma conferência acadêmica sobre o assunto e me perguntar: “Ok, eu entendo a parte do vapor, é óbvia, mas. . . O que exatamente isso tem a ver com o punk?” E então me caiu a ficha. Não há futuro! A era vitoriana foi a última vez que a maioria das pessoas neste país acreditou genuinamente em um futuro tecnológico que levaria a um mundo não apenas mais próspero e igualitário, mas na verdade mais divertido e emocionante do que o deles. Então, é claro, veio a Primeira Guerra Mundial, e descobrimos como seria o século XX, com a sua alternância monótona de terror e tédio nas trincheiras. O que é o Steampunk se não uma maneira de dizer: “não podemos simplesmente voltar atrás, ignorar todo o século passado como um pesadelo e começar de novo?

Não é este o momento necessário de formatar antes de tentarmos imaginar com o que um século XXI genuinamente revolucionário poderia se parecer?

Em Frente Para o Corbofuturismo

Os primeiros movimentos vieram, de forma apropriada, da Escócia, onde, em 2015, o Partido Nacional Escocês virtualmente varreu os assentos parlamentares possíveis, concorrendo sobre uma plataforma explicitamente socialista e anti-austeridade e surrando um Partido Trabalhista morno sem vontade de desafiar fundamentalmente a agenda Conservadora (basicamente, ninguém na Escócia vota Tory). Mas o verdadeiro terremoto ocorreu alguns meses depois, com a ascensão aparentemente inexplicável de Jeremy Corbyn e seu “chanceler à sombra[26], John McDonnell, à chefia do próprio Partido Trabalhista em Westminster. Aos olhos de uma absolutamente e incondicionalmente hostil à nova equipe dos Trabalhistas – mesmo veículos ostensivamente de Esquerda como o Guardian -o sucesso deles é em si mesmo um produto de desespero político: aqueles velhos reclamões dos pubs desistiram até mesmo de tentar ganhar eleições e cuspiram na cara de todo o sistema ao eleger um deles. E isso é verdade; a nova liderança trabalhista é constituída por radicais genuínos. Corbyn e McDonnell representam a ala militante do Partido Trabalhista – até recentemente, uma facção de fato muito pequena, composta na melhor das hipóteses de uma meia dúzia de deputados. Eles têm sido apoiadores regulares e até participantes das mobilizações de rua.

Não estou me referindo aqui apenas a falar em comícios. Posso dar meu testemunho pessoal. Quando, no verão de 2014, os ativistas do movimento “Pessoas Com Deficiência Contra os Cortes” estavam se acorrentando no “gramado do santuário” na Abadia de Westminster em uma tentativa vã de chamar a atenção da mídia para o fechamento do Fundo de Vida Independente, o que resultaria na morte de ainda mais pessoas com deficiências, McDonnell e eu fazíamos parte da equipe que levava baterias sobressalentes para as suas cadeiras de rodas. Tanto McDonnell como Corbyn apoiam abertamente uma filosofia que insiste em que a mudança social nunca pode vir só da política eleitoral, mas apenas de uma combinação de mobilização política, organização sindical e, como McDonnell colocou uma vez, carinhosamente, “o que antigamente costumávamos chamar de “insurreição”, embora hoje em dia a chamemos polidamente de ‘ação direta’”. Dá para imaginar o horror que se seguiu dentro do establishment político quando essas pessoas foram repentinamente catapultadas para cargos de liderança dentro de um dos dois principais partidos do país. Do ponto de vista deles, não é como se Bernie Sanders assumisse o Partido Democrata. É mais como se tivesse sido anexado por uma combinação de Noam Chomsky com Abbie Hoffman.

Como isso aconteceu? No sentido imediato, a ascensão de Corbyn foi precisamente um produto da estranha bolha conceitual em que a classe política britânica opera. Os picaretas Blairistas que dominam o Partido Trabalhista estavam dispostos a quebrar qualquer poder remanescente dos sindicatos e estavam tão convencidos de que seu senso comum fabricado era, de fato, realmente comum a todo mundo, que decidiram que a melhor maneira de fazer isso seria mudar as regras e permitir que o líder do partido fosse eleito pelo voto popular. Parece nunca ter lhes ocorrido que uma porcentagem significativa de membros de um partido político ainda ostensivamente de esquerda pudesse realmente responder positivamente a valores de esquerda. Na sequência da vitória Tory, McDonnell, pelo menos assim diz a história, conseguiu convencer um número suficiente de deputados Blairistas a apoiar um candidato de esquerda radical à chefia do partido para “ampliar o debate”, o que seria equilibrado do outro lado pela sua própria candidata de Direita pró-negócios, Liz Kendall – uma das favoritas dos “especialistas” ingleses, notoriamente sem-noção. Então, os mesmos delegados assistiram, de queixo-caído, Corbyn obter 59,5% dos votos em uma disputa entre quatro candidatos, o resultado mais avassalador já conquistado por qualquer candidato a lídera trabalhista. (Kendall ficou em último lugar, com 4,5%).

Em um nível, os “especialistas” provavelmente estavam certos: a Corbynmania era apenas uma maneira de mandar um foda-se para o establishment. O apelo do sujeito reside em grande parte em uma completa ausência de carisma convencional. Corbyn não tem nenhum talento retórico. Ele simplesmente diz o que pensa. Em um campo político tão corrupto que muitas vezes parece que o espectro moral para as figuras públicas vai mais ou menos do cínico calculista até o molestador infantil, a idéia de que um homem genuinamente honesto poderia concorrer com sucesso para cargos públicos foi uma espécie de revelação. Corbyn está enraizado na tradição socialista, mas lhe faltava qualquer ideologia ou agenda específica. Votar nele era simplesmente votar em um conjunto de valores. Aqueles que o apoiavam sabiam que só depois das eleições começaria o verdadeiro trabalho, de descobrir como (ou mesmo, se) seria possível para políticos e ativistas de rua sinergizar seus esforços sem cooptar ou destruir uns aos outros; que tipo de modelo econômico a esquerda poderia contrapor ao marketing da subordinação de classe dos Conservadores; e como seria a cara de uma “nova política” baseada na participação popular na tomada de decisões. Isso ainda está em disputa, e todo o projeto pode muito bem acabar naufragando terrivelmente, deixando a esquerda totalmente derrotada por muitos anos por vir. Certamente, toda a mídia e o establishment do partido deixaram claro que estão dispostos a fazer quase qualquer coisa para reverter os resultados da eleição de liderança. Mas três coisas dão razão para a esperança.

Primeiro, se um realinhamento geral da política britânica realmente estivesse acontecendo, provavelmente se pareceria com isso. O papel do Banco da Inglaterra é crucial aqui: eles sempre se viram como meio que seguindo à frente dos outros [27]. Entre meados e o final dos anos setenta, o abraço repentino e inesperado do Banco da Inglaterra de modelos econômicos monetaristas abriu o caminho para a revolução thatcherista [28]; e Thatcher, devemos lembrar, era considerada uma insurgente ultrajante dentro de seu próprio partido na época, como Corbyn é considerado agora. Portanto, é possível que um estranho paralelismo estranho esteja em operação.

Em segundo lugar, a nova liderança Trabalhista tem uma rota bastante clara para o poder. A economia atual do Reino Unido está baseada em uma bolha imobiliária mantida artificialmente, e as bolhas invariavelmente estouram. Os Trabalhistas têm quatro anos antes das próximas eleições. [29] A chance de não haver algum tipo de crise econômica nesses quatro anos é infinitesimal. Para os Corbynistas, a tarefa é dupla: primeiro, criar uma narrativa sobre os perigos da dívida privada da mesma maneira que os Tories fizeram sobre a dívida pública, para que os Conservadores sejam firmemente marcados com a culpa (mais fácil, talvez – ou talvez não – porque essa narrativa realmente será verdadeira); e segundo, e mais difícil, permanecer na liderança do Partido Trabalhista, resistindo a qualquer golpe interno dos Blairistas, até que a crise inevitável ocorra.

Finalmente, o próprio fato de que Corbyn tenha algo de tabula rasa inspirou uma investida de visões em disputa, uma concatenação ardente de novos modelos econômicos e políticos disputando por atenção, o que tem começado a revelar quão ricas e diversas podem ser, na verdade, as visões de futuro possível na esquerda. Não é apenas a chegada previsível dos luminares da economia para compor a corte do novo chanceler à sombra – todo mundo, de Joseph Stiglitz e Ann Pettifor, passando por Yanis Varoufakis e Thomas Piketty. Idéias verdadeiramente radicais estão sendo debatidas e propostas. A esquerda deveria perseguir o “aceleracionismo”, forçando as contradições do capitalismo para a frente com um rápido crescimento e desenvolvimento, ou deveria visar uma mudança total de valores e um decrescimento radical? Ou deveríamos avançar na direção do que a Novara, a iniciativa de mídia que emergiu do movimento estudantil de 2010, começou a se referir alegremente como FALC – ou “Fully Automated Luxury Communism” [“Comunismo Luxuriante Totalmente Automatizado” – [30] – encorajando tecnologias como a impressão 3D para buscar um mundo de replicadores no estilo Star Trek onde tudo é grátis? [31] O Banco Central deveria implantar “flexibilização quantitativa para as pessoas”, ou uma política de Renda Cidadã Universal [32], ou deveríamos seguir o caminho da Teoria Monetária Moderna e de garantias universais de emprego?

Tudo isso está sendo realizado com o conhecimento de que os paradigmas econômicos existentes – mesmo na medida em que não estejam simplesmente sendo mobilizados para justificar políticas projetadas com propósitos puramente políticos – não são mais relevantes para os problemas que a humanidade enfrenta na realidade, na Grã-Bretanha ou em qualquer outro lugar. [33] É verdade, a maioria dos economistas da linha dominante são capazes de ver através de absurdos óbvios, como as justificativas propostas para a austeridade fiscal. Mas a disciplina ainda está tentando resolver o que é essencialmente um problema do século XIX: como alocar recursos escassos de forma a otimizar a produtividade para atender a crescente demanda dos consumidores.

Os problemas do século XXI provavelmente serão totalmente diferentes: como, em um mundo de produtividade potencialmente disparando até o céu [34] e de demanda decrescente por mão-de-obra, será possível manter uma distribuição equitativa sem, ao mesmo tempo, destruir a Terra? [35] O Reino Unido poderia ser o pioneiro para uma tal nova configuração econômica? [36] A nova liderança Trabalhista está fazendo os movimentos iniciais: exigindo novos modelos econômicos (“socialismo com um iPad“) e buscando aliados potenciais na indústria de alta tecnologia. Se realmente estamos caminhando para um futuro de produção descentralizada, em pequena escala, de alta tecnologia e robotizada, é bem possível que as tradições peculiares do Reino Unido da pequena empresa e da ciência amadora – o que nunca a tornou particularmente suscetível aos gigantes conglomerados burocratizados que se desenvolveram tão bem nos Estados Unidos e na Alemanha, nas suas manifestações capitalistas ou socialistas – pode se revelar incomumente apta. É tudo uma aposta colossal. Mas é assim que são as mudanças históricas.

Tradução: Everton Lourenço

Revisão: Victor Marques

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A Realidade Está Correndo

James Butler, editor da Novara Media, no blog da Editora Verso, Junho de 2017

A ascensão de Corbyn à liderança do Partido Trabalhista e a campanha conduzida ao longo das últimas 6 semanas reconfigurou o espaço do politicamente aceitável: falar de propriedade pública e bem comum, antes considerado como um veneno eleitoral, agora está de volta na agenda.

[Nota do tradutor: Novara Media é um coletivo de mídia independente formado na sequencia das ocupações e dos protestos estudantis anti-austeridade de 2010/2011 no Reino Unido. Financiado apenas com doações de apoiadores e o trabalho voluntário de sua equipe, trata-se de uma organização cujo objetivo expresso é “tratar das questões que definirão o século XXI” Com Aaron Bastani, Ash Sarkar e James Butler a frente — todos oriundos da ala “comunista libertária” da esquerda militante britânica — a Novara Media começou em 2011 a produzir podcasts de discussão política e, crescentemente, material em video explorando didaticamente certos conceitos (como o de “comunismo luxuriante plenamente automatizado”, que após um video de Bastani tornou-se um meme de intensa viralidade) ou comentando acontecimentos da conjuntura (como a campanha de Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista). Apoiadores de primeira hora da reformulação do Partido Trabalhista liderada por Corbyn, McDonnell e Diane Abbott, a Novara ilustra bem o recente giro (discutido no último livro de Paolo Gerbaudo) na cultura de protestos de rua: de uma posição predominantemente neo-anarquista/autonomista, para uma visão estratégica, contra-hegemônica — o que poderíamos chamar de um “populismo orientado ao futuro”. Dá pra se dizer que a Novara estava no lugar certo na hora certa: entrevistando e engajando-se com figuras como Corbyn, McDonnell, Yanis Varoufakis, Paul Mason (autor de “Pós-capitalismo: uma guia para nosso futuro”), Nick Srnicek (do Manifesto Aceleracionista e autor de “Inventing the future”), Mark Fisher e enraizados na cultura de protestos de rua, mostraram que — sabendo interpretar bem o espírito do tempo e utilizando com eficácia as novas técnicas de comunicação — um pequeno coletivo pode ter efeitos no debate público desproporcionais ao seu tamanho.]

Nós nos preparamos para o pior. Na Novara Media, fizemos uma cobertura ao vivo a noite inteira da eleição, e, como parte de nossa preparação, escrevi algumas notas para orientar nosso comentário: “projeto de dez anos” entre elas, “trégua respeitável” era outra. Mas isso tudo saiu voando janela afora quando a pesquisa de boca de urna apareceu — e era possível ver o teto tremendo quando as pessoas do andar de cima pulavam pra cima e pra baixo de alegria. Fomos então confrontados com um problema que realmente não esperávamos: o partido trabalhista superando todas as expectativas e todos os augúrios dos comentaristas e especialista de marketing político. A realidade nos atropelou: agora nós tínhamos que correr para acompanhar. É um problema agradável de se ter.

Os conservadores formarão um governo de minoria, com o apoio do DUP, partido da extrema direita irlandesa. Qualquer expectativa de que um novo governo Tory seja moderado pela pancada que levou nesta eleição é ingênua: haverá muitos no norte da Irlanda chocados com a idéia do DUP com uma mão no governo de Westminster. Mas Theresa May, que entrou na eleição com uma vantagem de vinte pontos, está enfraquecida, e um governo minoritário com ela (ou qualquer um dos outros zumbis que provavelmente a substituirá) estará com o tempo contado — no mínimo porque seria muito difícil dizer que um governo conservador minoritário, rejeitado pelo eleitorado, tem autoridade ou estabilidade para realizar a enorme tarefa legislativa do Brexit.

Ao entrarmos nessas eleições, foram muitos os que pensaram que os Tories poderiam — pela primeira vez em décadas — ter uma clara maioria eleitoral de direita no país, com o UKIP retornando ao seio da nave-mãe Tory. O que se revelou um grande exagero. De fato, o eleitorado, que os estrategistas políticos davam como apático na Inglaterra, acabou se revelando uma pluralidade de eleitores com apetite por políticas social-democratas e rejeitando o consenso pós-Thatcher. Não há exagero em dizer que a ascensão de Corbyn à liderança do Partido Trabalhista e a campanha realizada nas últimas seis semanas reconfigurou o espaço do politicamente aceitável: falar de propriedade pública e de bem comum, antes considerado veneno eleitoral, está agora de volta à agenda.

Jeremy Corbyn ficará na liderança pelo tempo que quiser. Os 40% dos votos, obtidos nestas eleições, teriam sido o suficiente para ganhar qualquer eleição nas últimas duas décadas. Mais importante ainda, sugere que os métodos da “Brigada de Triangulação da Caneca de Imigração” — em poucas palavras: que política é buscar o voto racista oscilante — não podem mais ser considerados como a rota para o sucesso. A esquerda trabalhista apontará, corretamente, para o manifesto como o ponto de viragem na sorte do partido durante esta eleição, e exigirá que seu programa seja o senso comum do partido a partir de agora. Por enquanto, a guerra civil partidária — o que muitos sugerem ter sido o que impediu o partido de se sair ainda melhor nessas eleições — foi vencida.

As últimas seis semanas devem também por um fim definitivo a duas teses sobre o influxo de novos membros pós-Corbyn. Primeiro, que estes seriam membros apenas “no papel”: o enorme número de pessoas na rua fazendo campanha e convencendo (uma tática que os ativistas do Partido Trabalhista evitaram algumas vezes no passado recente) refuta esse argumento. Segundo, que esses novos membros seriam cucos no ninho trabalhista — não são, e estão aqui pra ficar. A aceitação desse fato exigirá alguns ajustes em ambos os lados, tanto nas instituições do partido quanto nos recém-chegados. Será preciso encontrar acomodações. Mas deve-se ressaltar que muitas dessas pessoas têm sido tratadas com condescendência, desprezo, insultadas e hostilizadas por terem entrado no partido. Isso precisa acabar já.

No entanto, são a mídia e os comentaristas políticos profissionais, em particular, que devem aproveitar esse momento para olhar no espelho, inflexivelmente, e praticar a desconhecida frase: “eu estava errado”. Seis semanas atrás, fomos informados de que Corbyn deveria renunciar para evitar a destruição total do partido, que uma direita ressurgente acabaria com a esquerda na Grã-Bretanha por uma geração, que o Partido Trabalhista seria reduzido aos seus redutos nas cidades do interior — se tanto. É de particular ironia que os comentadores que gastaram barris de tinta tentando entender a mentalidade do UKIP — que passaram horas fabulando o mais horrível racismo para então se ajoelharem diante dele — não dedicaram esse mesmo tempo a entender o voto em Corbyn: ridicularizado ou zombado, apresentado como nostalgia atávica dos anos 70. É hora dessas pessoas darem uma sentada e pensarem seriamente a respeito — ou então se aposentarem.

O sucesso que Corbyn e o manifesto do Partido Trabalhista mostraram nas pesquisas vem sendo construído de longa data. Uma corrente do influxo de Corbyn — e alguns dos militantes mais destacados — vem da juventude do movimento de estudantes e ativistas anti-austeridade, que encontraram sua voz em 2010–11 e, nos últimos dois anos, acharam no Partido Trabalhista seu ponto de apoio institucional, tendo feito um giro, compartilhado com outras partes da nova esquerda europeia, em direção ao envolvimento parlamentar após experimentar os limites do protesto de rua. Por isso, foi doce ver Nick Clegg, uma persona non grata para muitos, perder o assento na noite passada. Isso não diz tudo sobre o fenômeno de Corbyn — sua base é muito mais ampla e mais heterogênea — mas o arco que vai de 2010 até aqui é claro.

Há muito mais a ser feito. O governo entrante, embora fraco, será perverso. A trégua partidária não será permanente. E por mais que a votação demonstre que existe um forte eleitorado anti-neoliberal neste país, os resultados para os Trabalhistas exigem reflexão. Em parte, parece haver um enorme aumento na presença do Partido Trabalhista em comunidades onde o partido era irrelevante há anos, senão desde sempre, enquanto observa-se a perda de alguns assentos como Mansfield, que já foi visto como fortaleza do partido. Há uma história sobre a Grã-Bretanha aqui, sobre uma politização desigual em alguns centros urbanos e uma deriva anti-política ou para a direita em outros lugares — e é uma história na qual o Partido Trabalhista precisará pensar para construir em cima de seus avanços.

E a questão que se apresenta à esquerda fora do Partido Trabalhista é agora também: quais são as críticas que ainda são válidas? Quais não são mais? Que trabalho pode ser feito bem sucedidamente em parceria com o partido, e o que inevitavelmente terá que pressioná-lo de fora?

Esta noite foi muito melhor do que esperávamos. A juventude revelou que nenhuma lei da política britânica é imutável. Teremos mais para pensar, refletir e abrir um caminho para a frente nos próximos dias. Mas a realidade está correndo: tentemos acompanhar.

James Butler é editor da Novara Media.

Tradução: Victor Marques – disponível em sua página no Medium

Revisão: Everton Lourenço

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Pela Primeira Vez Na Minha Vida, Não Sinto Como Se As Coisas Só Pudessem Piorar

Juliet Jacques, no site da Repeater Books, Junho de 2017

Ao contrário de muitos amigos de esquerda em Londres, que têm sido melhores do que eu na participação em manifestações, nunca conheci Jeremy Corbyn. Para minha vergonha – e talvez porque minha ansiedade e depressão me impediram de viajar de Manchester para Londres para a manifestação anti-guerra em fevereiro de 2003 [37] – eu nunca tinha ouvido falar dele antes de ele concorrer à líderança do Partido Trabalhista há dois anos.

Mas eu já havia conhecido o John McDonnell – no evento do “Parlamento Popular” [“People’s Parliament”, no original] que ele organizou com a (antiga) Zero Books na Câmara dos Comuns, em março de 2014. McDonnell explicou que ele convocou as sessões para receber diferentes vozes no Parlamento, onde os deputados poderiam ouvi-las. Ele realizava painéis mensais sobre vários assuntos; embora muitos fossem para trabalhadores e sindicalistas, muitas vezes ele abria espaço para escritores e ativistas. Dessa vez, esses escritores eram Mark Fisher, Rhian Jones e Alex Niven – todos pessoas que conheci em Londres, e que considerava amigas, depois de passar dois anos vagando pelos círculos de escritores e jornalistas até encontrar aquele que mais me entusiasmava, centrado em torno da Zero (agora Repeater) e da Verso Books. (J. D. Taylor, a quem eu não conhecia, apresentou o painel final).

McDonnell estava interessado nas idéias do grupo: na análise de Mark sobre o “realismo capitalista” [38] e a necessidade de se imaginar um futuro melhor, apesar daqueles que insistiam que “não há alternativa” [39] e que o pensamento utópico era inútil; na “Oposição Popular” [no original, “Folk Opposition”] de Alex, sobre histórias e possibilidades da cultura popular de oposição, enquanto comentaristas perplexos constantemente perguntavam “o que aconteceu com a música política?”; e na “Repressão” [no original, ‘Clampdown’] de Rhian, uma interrogação sobre classe, gênero e política racial no Britpop, que ainda dominava a imaginação dos nostálgicos picaretas do “Novo Trabalhismo” [40], e do “indie” conservador e estupefaciente que o seguiu.

Todos esses autores defendiam mudanças abrangentes na relação entre política, cultura, e o clima ideológico em que operavam. Eu havia atingido um pico de desespero com a política parlamentar, especialmente com a forma como a imprensa de direita ditava seu tom, mesmo depois do inquérito Leveson. Sob Ed Miliband, o projeto do Novo Trabalhismo parecia completamente esvaziado, e o Partido Trabalhista Parlamentar me parecia (e a muitos outros) dominado por um comitê sem alma, pensando e se rendendo aos termos que os Tories, os tablóides e seus patrocinadores queriam impor à sociedade britânica. (Na verdade, eu havia estado a menos de dois metros de Miliband na festa do centenário da New Statesman em 2013, quando eu publicava um blog para a revista, em uma tentativa desesperada e, enfim, condenada de trazer uma perspectiva política e cultural mais à esquerda para o seu site. Eu decidi não me apresentar e não incomodar.) Eu não percebia que o Partido Trabalhista ainda abrigava gente como McDonnell: eu assumia que todos abandonaram o navio ou foram purgados durante os anos de Blair e que não haviam sido atraídos de volta por eventos como o protesto anti-austeridade da TUC [41] em março de 2011 [42] – uma marcha com bastante comparecimento (mas estranhamente sem vida) para ver Miliband e, possivelmente, Billy Bragg – nem me lembro.

Gostei do evento, mas saí de lá com o mesmo sentimento de melancolia que eu costumava ter depois de tais discursos. Eu tinha ouvido algumas provocações interessantes, mas muitas das nossas conclusões tinham uma sensação similar: nós identificávamos os problemas, mas frases como “precisamos encontrar uma maneira de mudar o discurso” sobre [digamos] refugiados buscando asilo, requerentes de programas sociais ou sobre os cortes no setor público raramente mascaravam nosso senso de impotência. Sem um movimento sindical ou um partido político que parecesse poder ser um veículo de mudança, estávamos cuspindo no vento: algumas pessoas estavam ouvindo, mas não o suficiente, e muito poucas com influência.

Mais tarde naquele ano, em um painel organizado pelo think tank CLASS na TUC, falei sobre o “potencial da arte e da cultura” – discutindo como o valor da arte hoje parecia ser considerado apenas em termos financeiros, com o financiamento cortado para qualquer coisa que possa não gerar dinheiro, sem qualquer pensamento sobre mérito artístico ou sobre como idéias que inicialmente atingem apenas um punhado de pessoas podem ser transformadoras para aquele punhado e, em última instância, para todos. Com uma eleição geral se aproximando, um amigo expressava seus temores de que “o Partido Trabalhista agora não passava de um bando de bitolados [43]” – tecnocratas com quem ninguém se identifica, que afastavam inúmeras pessoas do partido. Não me esqueci de McDonnell, mas, até onde eu via, os deputados mais jovens pensavam quase exclusivamente que a ordem existente precisava apenas de pequenos ajustes – sem possibilidades para nada mais ambicioso – e não entendiam que, se não havia nenhum tema sobre a qual eles não cederiam, então eles não estavam fazendo concessões, mas capitulando.

Eu não conhecia nada além do Novo Trabalhismo, conforme me aproximava da meia idade: eu tinha 33 anos quando a eleição geral de 2015 foi realizada. Nunca votei no Partido Trabalhista. Em 2010, vivendo em Brighton Pavilion, me deleitei quando meu voto para Caroline Lucas contribui para uma vitória sem precedentes pelo Partido Verde, mas eu sabia que nunca iria muito além desse assento (e que os Verdes haviam dedicado pouco tempo para fazer campanha em áreas mais de classe-trabalhadora, como Hollingdean). Embora gostasse da minha deputada, Diane Abbott, não conseguia engolir o Partido Trabalhista como era. Devido a um erro burocrático em Hackney, demorou duas horas e meia para votar: o pessoal da zona eleitoral me mandou para a Câmara Municipal de Hackney, onde entrei numa longa fila de pessoas, lívida com a sensação de privação dos meus direitos. Eu estava mais deprimida do que ansiosa ou irritada e, eventualmente, marquei meu xis na Liga Comunista – um protesto fútil contra a hegemonia  pós-Thatcher e pós-Blair de austeridade e autoritarismo – e contra o apelo para qualquer um na esquerda aceitar o ‘mal menor’ do ‘centrismo’. (Eles tiveram 102 votos.)

A coisa toda parecia desesperadora, mas o pior ainda estava por vir. Eu terminei num evento na Close-Up Cinema, onde planejamos assistir juntos a cobertura da noite da eleição da BBC. Então vimos que a pesquisa de boca de urna previa uma maioria Tory – algo que eu tinha previsto antes do início da campanha, mas que eu tinha deixado para trás quando as pesquisas de opinião sugeriram um parlamento suspenso [44] ou uma vitória estreita dos Trabalhistas – e fui para casa. Voltei para encontrar meus companheiros de quarto em um silêncio atordoado, tendo chorado antes, mas eu simplesmente me sentia entorpecida. Eu queria uma vitória dos Trabalhistas – cinco anos de cortes Tory e uma cultura cada vez mais autoritária tinham esgotado a mim e a muitos dos meus amigos -, mas não podia sentir que o fracasso de Miliband em se tornar primeiro-ministro fosse uma verdadeira tragédia. O fundo do poço foi a resposta de grandes nomes do Partido Trabalhista insistindo que sua derrota se devia ao Miliband ter “levado o partido demais para a esquerda” – mesmo depois de perder toda a Escócia para um movimento anti-austeridade. Como James Butler disse: a tragédia para a maioria das pessoas não era a falta de um governo trabalhista, mas que a política simplesmente continuasse daquele jeito.

Quando Miliband renunciou e Corbyn entrou na disputa pela liderança, ousei imaginar se o Partido Trabalhista poderia ser algo diferente – algo mais emocionante, aproveitando a dignidade e a solidariedade dos antigos movimentos sindicais e as conquistas socialistas, enquanto que usando novas mídias para comunicar um forte desejo por um “novo tipo de política”, em contraste com o vazio nos discursos cuidadosamente trabalhados de seus três adversários, projetados mais para televisão do que para o Twitter, presos em um presente perpétuo que nem sequer lembrava o otimismo da campanha de Tony Blair em 1997, mas a resignação e a exaustão de Gordon Brown em 2010.

Foi a presença de McDonnell que mais me animou. Na década seguinte à minha entrada no jornalismo, eu me sentia sozinha, apoiada apenas por uma pequeno grupo de amigos. Eu tinha finalmente deixado a New Statesman, esgotada e amargurada pela forma como meus esforços para trazer uma perspectiva socialista, queer e trans havia terminado, mas satisfeita por ter me dissociado antes da campanha anti-Corbyn deles ter passado dos limites. O Guardian parecia grande o bastante para sustentar um espectro mais amplo de opiniões, mas sua posição editorial parecia estar veementemente em oposição a qualquer tentativa de tornar o Partido Trabalhista em um movimento baseado nos membros, e de esquerda, não percebendo (como nós havíamos percebido) que não era apenas a ideologia do Novo Trabalhismo que estava acabada, mas também sua metodologia.

Minha exaustão começou a melhorar. Finalmente, eu conseguiria investir energia em algo maior do que eu mesma – e me energizar com isso. A aliança desengonçada entre liberais, socialistas e radicais durante a coalizão, quando era difícil ser tribal com relação ao Partido Trabalhista ou aos Liberais Democratas, colapsou na medida em que a ascensão de Corbyn tornou as linhas divisórias mais claras – mas não me importei. Senti que estávamos no lado certo da história, e que os ‘centristas’ estavam errados. Eventualmente, pensei, o mundo lá fora iria acabar concordando – se apenas Corbyn e McDonnell pudessem receber uma cobertura justa.

Os dois anos desde a eleição de Corbyn para líder foram difíceis. Eu não estava sozinha nas minhas dúvidas com relação à maneira que Corbyn estava lidando com o referendo sobre a União Européia. Muitas das críticas por aí eram desonestas, e fazia tempo que tinha parado de dar ouvidos aos seus detratores na mídia tradicional, mas não estava segura de que ele havia entendido que a maior questão não era a União Européia em si, mas as consequências de um voto Leave [45] para os imigrantes, as pessoas de cor e qualquer um que não se encaixasse no perfil imposto por um nacionalismo inglês recrudescente, com seu militarismo, monarquismo e nostalgia imperialista. Com frequência, me sentia frustrada com como a energia e o entusiasmo das campanhas de Corbyn para a liderança – que quebraram todos os recordes – se dissiparam depois de suas vitórias avassaladoras. Sentia que uma boa parte era culpa do conluio entre a mídia e os parlamentares trabalhistas rebeldes, mas não toda, e ficava imaginando se não havia sido delirante da minha parte colocar qualquer fé que seja na política parlamentar, e no Partido Trabalhista em particular.

Pensei em cancelar minha filiação ao Partido, mas algo me impediu. Inicialmente, era o quanto eu detestava os inimigos do Corbyn, entoando sua cantilena presunçosa e paternalista de como eles estavam certos sobre Corbyn ser “inelegível” – como se isso fosse um fato objetivo, e eles fossem mero observadores externos do discurso político britânico, e não agentes influentes no interior dele. Rotulando aqueles que apoiavam as ideias de Corbyn para o futuro do Partido Trabalhista como “trotskistas” infiltrados, vândalos homofóbicos, anti-semitas raivosos e apoiadores do IRA, o equivalente britânico a uma alt-right apoiadora de Donald Trump (assisti-los agora comer uma bela torta de humildade, particularmente na forma de seus próprios livros, tem sido uma diversão). Mas não era apenas a raiva que me motivava: nunca perdi a memória de McDonnell, ou a sensação de que ele oferecia a possibilidade de uma política que fosse mais do que falatório dos deputados no parlamento, e que partidos políticos poderiam tomar inspiração não apenas de think tanks, mas também da história e da filosofia acadêmicas, da arte e da música, da literatura e da poesia. Me lembrava de como Corbyn me inspirou a assistir pela primeira uma transmissão ao vivo da Casa dos Comuns pela primeira vez, em 6 de julho de 2016, quando ele desafiou o chamado, vindo do banco de trás do Partido Trabalhista, para “sentar-se e calar-se”, e, ao contrário, fez um discurso sobre o Inquérito de Chilcot sobre a guerra do Iraque. Tremia ao longo de todo o discurso, frente à fúria calma e controlada das palavras de Corbyn, sua recusa em deixar pra lá as motivações imperiais da guerra e as consequências desastrosas da invasão e ocupação, e sua convicção de que os milhões, em todo o mundo, que se opuseram a guerra agora estavam sendo provados certos.

Então, quando eu e meus amigos do no.w.here film lab vimos a pesquisa de boca de urna – muito melhor do que minha previsão de que Cobyn perdia “apenas” por 20 ou 30 cadeiras – aquela quinta a noite pareceu uma vindicação. Não apenas pelo nosso apoio ao Corbyn, mas pelas ideias que nós na esquerda estávamos explorando pela última década, e todos os seminários nos quais tentamos estabelecer algum terreno comum intelectual. Como a muitos, me fez pensar na trágica morte de Mark Fisher mais cedo esse ano [46], logo depois do Brexit e da ascensão  de Trump, quando parecia que a ortodoxia neoliberal [47] seria sim derrubada – mas por um afundamento no fascismo, forçando aqueles de nós  que passamos anos plantando as sementes para um futuro melhor agora a ter que batalhar para salvar as instituições neoliberais que haviam nos excluído, nos ridicularizado e nos combatido, com a preservação do status quo do establishment (que depois retornaria para nos esmagar) parecendo o melhor cenário possível.

Imagino o que Mark faria com esse resultado. Como Corbyn foi ridicularizado como “inelegível” por aqueles que se aferravam ao velho modo de fazer política do “Novo Trabalhismo”, e então lançou uma espetacular campanha que foi capaz de dar um novo propósito e reavivar os princípios social-democratas do partido; conseguiu a maior subida nas pesquisas na memória recente, o que se traduziu na maior ampliação da votação dos trabalhistas desde 1945, e evitou assim a formação de uma maioria conservadora em uma eleição que Therese May convocou porque pensou que poderia arrasar com o Partido Trabalhista e com qualquer oposição de esquerda – pra sempre.

Penso com frequência no incrível entusiasmo do Mark com qualquer coisa que pudesse desgastar a ideologia dominante, mesmo quando não o compartilhava, ou concordava com as posições que resultavam desse entusiasmo. E penso com frequência também em quantas amizades devo a ele, por meio do círculo de blogueiros no qual ele era central, no seu papel na fundação da Zero e depois da Repeater Books, através das quais conheci tantos camaradas – muitos dos quais, como eu, foram inspirados a se filiar no Partido Trabalhista quando o movimento de Corbyn e McDonnell desabrochou. Se você olhar apenas para os número, então sim, nós perdemos – dessa vez. Mas se você olhar para o quadro mais amplo, para as possibilidades que agora se sente que eles abriram para qualquer um com sonhos, um coração e uma alma – então, estamos ganhando. Hoje eu não me sinto ansiosa, eu não me sinto deprimida. Sinto que podemos barrar aquilo que parecia antes como uma onda avassaladora de direita na cultura britânica, quebrar a dominância de figuras como Lynton Crosby, Paul Dacre e Rupert Murdoch sobre o discurso público, assim como o estrangulamento – por parte dos auto-proclamados analistas “sensatos” ligados ao trabalhismo – das conversas sobre o que uma política de esquerda pode ser. Sinto que podemos construir uma contra-cultura revigorada a partir da energia jovem de movimentos como o #grime4corbyn, muito mais excitantes do que a carcassa de um Britpop musicalmente reacionário e politicamente retrógrado. Pela primeira vez na minha vida, eu não sinto como se as coisas só pudessem piorar. Tenho certeza que John McDonnell compartilha do meu otimismo, e gosto de pensar que o Mark também compartilharia.

Tradução e revisão: Victor Marques e Everton Lourenço

[Nota de tradução: Mark Fisher é um camarada que faz falta. Um intelectual engajado, um brilhante crítico cultural, um militante comunista. Fundou na década de 90, junto com Nick Land, o célebre Cybernetic Culture Research Unit (Ccru) e nos anos 2000 tornou-se conhecido por meio do seu blog K-Punk, onde discutia música, cultura pop e política. Ganhou notoriedade em 2009 ao publicar o livro Capitalist Realism (Realismo Capitalista), no qual argumentava que a grande vitória do neoliberalismo foi ter consolidado um senso comum no qual não há alternativa possível ao capitalismo, bloqueando nossa imaginação utópica e obliterando formas de consciência que apontem para um horizonte emancipatório pós-capitalista. A brochura foi muito influente nos movimentos estudantis de 2010-2011 contra a austeridade, assim como sobre as discussões que se seguiram no Novara Media e no aceleracionismo de esquerda. Em um texto de 2013, Fisher criticava um certo “fatalismo neo-anarquista” que contribuía para tornar mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que imaginar um partido trabalhista de esquerda. Para Fisher, o neoliberalismo se encontrava em estado moribundo desde a crise de 2008, mas continuava em pé feito um zumbi, e que para derrotá-lo se fazia necessário uma estratégia – que passava pela ocupação da política eleitoral e da mídia. E um post de 2015, logo após a derrota eleitoral do Partido Trabalhista (então liderado por Ed Milliband), Fisher anunciou, com surpreendente otimismo, que “o verão está chegando”, um slogan utilizado a partir desse tempo pelo coletivo Plan C, do qual fazia parte. Respondendo a uma mídia conservadora que chamava Milliband de “Ed, o vermelho”, Fisher terminava o post vaticinando: “Se eles pensam que Ed era vermelho, esperem até ver o enxame vermelho que está vindo. A Inglaterra estava sedada, mas está acordando de seu longo sono, carregando novas armas”. A surpreendente vitória de Corbyn para a liderança, com a concomitante invasão de um verdadeiro enxame vermelho da juventude ao Partido Trabalhista, e o ainda mais inesperado sucesso eleitoral recente do Labour, em uma plataforma ostensivamente anti-neoliberal – tudo isso parece reivindicar agora a visão de Fisher. Infelizmente, Mark não sobreviveu para ver a campanha entusiasmante de um Labour revigorado. Foi vítima da depressão que o atormentava por anos, e no começo de 2017 tirou a própria vida. Como escritor, editor (criou os selos Zer0 e Repeater para publicação de livros), palestrante e ativista Mark Fisher contribuiu imensamente para afrouxar as amarras do “realismo capitalista” na mente das novas gerações militantes, sobretudo na Inglaterra, e nos ajudou a redescobrir o futuro.]

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A Esperança Transformou o Inimaginável em Realidade

O Fatalismo está morto e a crença na mudança está de volta

Sam Kriss, no site da Vice, Junho de 2017

Nos dias que seguiram o anúncio dessa eleição, várias pessoas que conheço começaram a fazer algo que, diante da situação, parecia muito estranho: eles decidiram acreditar.

Enquanto a mídia trovejava apocalipticamente sobre uma maioria de  200 assentos para os Tories e a destruição final do projeto socialista; enquanto os Tories se preparavam alucinadamente para um massacre e metade do Partido Trabalhista parecia estar os incitando; enquanto tudo parecia totalmente sombrio e sem ar; enquanto crescia a sensação de estarmos em um navio prisional velho e apodrecido, a água entrando e cada guinada nos fazendo descer para o deserto sem sol nas profundezas do mundo, as pessoas decidiram que na verdade, Corbyn poderia chegar lá. Nós iríamos ignorar os jornais e as pesquisas, nós teríamos fé que algo de bom poderia de fato acontecer – e se isso significasse recuar para uma pequena bolha de fanáticos, tudo bem.

Esta não era uma esperança ingênua; não estávamos nos iludindo. Todo mundo sabia que a situação parecia incrivelmente sombria, que o senso comum e a inevitabilidade política estavam apontando em apenas uma direção, que os ricos e poderosos estavam fazendo tudo o que podiam para nos esmagar completamente. Foi, de certa forma, uma espécie de esperança irônica – a esperança do já-derrotado, mantendo simultaneamente a certeza cansada da perda e a absoluta insistência na vitória. Poucas pessoas genuinamente se atreveriam  a acreditar que Corbyn realmente sairia por cima, mas o objetivo era dizer o indizível, era recusar um mundo feio e viver por algumas semanas como se tudo fosse possível. Foi um encantamento. Corbyn é o menino absoluto. Ele nunca perdeu uma eleição na vida. Foi, no final, um tanto mágico: nossos pensamentos, esperanças e puras forças mentais poderiam tornar algo impensável em realidade.

E funcionou.

Desde o início de sua liderança, o Projeto Corbynista foi considerado por todos os especialistas políticos sensatos e impassíveis como sendo uma impossibilidade. Quando as primeiras pesquisas de opinião bateram embaixo no final de 2015, eles vasculharam os números e declararam com a voz morta da razão que tínhamos cometido um erro terrível. Os Trabalhistas estavam bem atrás de onde estavam em 2010, depois da vitória da liderança de Miliband; a única maneira de evitar uma derrota catastrófica na próxima eleição seria através de uma onda inédita na história recente da política britânica. A estratégia de Corbyn – reconquistar não-eleitores e energizar jovens com um programa positivo e oferecendo a eles algo tangível  ao invés de marketing e palavras vazias – foi universalmente ridicularizada. Todos sabiam que os jovens simplesmente não votam; todos sabiam que uma vez que alguém parasse de se envolver com a política eleitoral, era para sempre. A única maneira dos Trabalhistas irem bem seria imitando os Tories, oferecendo uma versão em miniatura esdrúxula de toda a sua insensibilidade e idiotice para um público essencialmente conservador, levando os limites do discurso político cada vez para mais perto de um buraco pequeno e sufocante, sem esperança, sem ideologia, onde a verdade e o bom senso se calariam em desgosto.

Ontem à noite, conseguimos uma onda sem precedentes na história recente da política britânica. Ontem à noite, vimos um grande número de jovens votando pela primeira vez e votando pelo Partido Trabalhista. Ontem à noite, vimos massas inumeráveis que desistiram da política por décadas voltando, porque tinham algo para acreditar.

As pomposas Cassandras Anti-Corbyn estavam erradas – ensurdecedoramente, magnificamente erradas – porque elas pensavam que a política era antes de tudo sobre números, em vez de pessoas: uma ciência newtoniana morta, o cálculo de corpos inertes. Algo tão amargo, determinado e irônico como a esperança de última hora dos que acreditavam, não tinha como entrar em seus cálculos. Os escritórios locais do partido sitiados todos os dias por centenas de pessoas dispostas a bater nas portas, distribuir folhetos e fazer qualquer coisa para ajudar não tinham como entrar no modelo. Nem as mães bondosas que fizeram ligações telefônicas, nem as grandes multidões  comparecendo nas reuniões, ou as crianças fazendo memes no Paint. Isso tudo era só entusiasmo, uma doença de fanáticos, uma onda efêmera que se quebraria contra a solidez bruta do fato político. Não era real. E eles não estavam inteiramente errados: não era real; todo esse entusiasmo era apenas um potencial de tempestade, até que as eleições fossem chamadas e ele fosse derramado pelo céu para assumir forma concreta.

Os Tories realizaram uma campanha que não era sobre pessoas; era sobre o inevitável. Em vez de oferecer qualquer coisa, eles emitiram um comando para o eleitorado: assim é como as pesquisas e os números dizem que as coisas serão, façam acontecer. Theresa May se recusou a debater, porque qual era o objetivo? Isso só a arrastaria até o nível de seus concorrentes condenados. Eles não tentaram realmente ganhar, porque não havia necessidade; a imprensa cuidaria de tudo e diria aos leitores exatamente o que fazer. Numa época em que milhões de pessoas estavam desesperadas por uma mudança positiva, eles espalharam a promessa de uma eternidade sem vida, em que todos os dias seriam como o último – mas com as noites mais longas, o amarelecimento da grama, o escurecimento do sol, porque é assim que as coisas são. Foi o maior ato de auto-sabotagem na história política britânica.

Jeremy Corbyn não é primeiro-ministro – ainda não, pelo menos. Mas o mundo mostrou ter seu próprio tipo de ironia. Depois de semanas de gritaria sobre coalizões caóticas e vínculos com o terrorismo irlandês, os Tories se apoiam agora com a ajuda do DUP, uma gangue de homofóbicos tóxicos e fanáticos, ligados a paramilitares assassinos de extrema direita. Eles estão mais fracos do que nunca; algumas eleições parciais poderiam revogar sua maioria em meses. E nada disso teria sido possível sem Jeremy Corbyn.

Em toda a Europa, os partidos social-democratas tradicionais estão desaparecendo; sob uma Yvette Cooper ou um Owen Smith, o Partido Trabalhista teria se triangulado para o abismo. Os centristas sem sangue, sem esperança e sem sentido tentaram realizar uma espécie de mágica própria – por dois longos anos, eles insistiram que Corbyn era inelegível, e eles pensavam que, dizendo isso com a maior frequência e amargura possível, se tornaria realidade. Mas eles deixaram passar uma coisa: o que eles repetiram era só placebo, o recitar cansativo de como as coisas são. O que todos aprendemos com as eleições ontem à noite é que, como as coisas são, não é o mesmo que como elas sempre serão. As pessoas podem reverter todas as certezas que nos são impostas. O mundo é nosso, podemos mudá-lo.

Tradução: Lenna Nascimento

Revisão: Everton Lourenço

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Notas

[1] “Tories”: membros do Partido Conservador, também conhecido como “Tory” no Reino Unido. [N.M.]

[2] Blair e Brown foram líderes trabalhistas que governaram nas últimas décadas e que participaram da transformação neoliberal pela qual o Partido Trabalhista (como, aliás, a maioria dos antigos partidos social-democratas e socialistas europeus passaram, à partir dos anos 80), se afastando cada vez mais das bandeiras da Esquerda e levando a política internacionalmente na direção do “consenso” neoliberal, imortalizado no slogan “Não Há Alternativa”, repetido à exaustão por Thatcher e por seus seguidores mundo à fora – e que apenas agora parece começar a ser desmontado. O período em que, sob Blair e Brown o Partido Trabalhista abandonou suas bandeiras de esquerda e abraçou o neoliberalismo ficou conhecido como “Novo Trabalhismo”, e foi celebrado pela mídia empresarial. Para uma ótima introdução sobre o neoliberalismo, recomendo “Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. Para complementar a discussão, recomendo “Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro”, de Mark Fisher, “Não Há Alternativa?”, de István Mészáros, “Neoliberalismo, Ordem Contestada”, de Perry Anderson. [N.M.]

[3] ver “Democratizar Isso”, de Michal Rozworski. [N.M.]

[4] no original, “Bernie would have won”, que virou praticamente um lema na esquerda estadunidense, depois que a direção do Partido Democrata e a mídia empresarial fizeram de tudo para impedir o avanço do candidato nas primárias democratas, assegurando a indicação de Hillary Clinton, uma candidata “centrista” amplamente vista como mentirosa, não confiável, etc – uma candidata queridinha pelo establishment enfrentando Donald Trump, que vinha justamente usando uma retórica “anti-sistema” (falsa como teria de ser, nos lábios de um bilionário). É consenso na Esquerda do país que Bernie, um candidato que realmente questiona elementos do sistema e visto positivamente por uma grande porcentagem da população estadunidense, teria muito mais chances eleitorais contra Trump do que Hillary. [N.M.]

[5] Claro que há, nesses termos carregados de ideologia, um tema para muito debate. Há algo de inerentemente “velho” ou antiquado na ideia de buscar a superação das contradições da ordem capitalista através de uma outra sociedade mais igualitária, mais equilibrada, mais justa, mais democrática, mais racional, mais sustentável? Da mesma maneira, o pensamento utilitarista que embasa a defesa do Capitalismo (principalmente em sua variante neoliberal) foi formulado por pensadores morais ainda no século XVIII – mas segue sendo apresentado como jovem, moderno, dinâmico. Estamos aqui falando, como aponta Mark Fisher em Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro”, da disputa pelo sentido de palavras como “novo”, “velho”, “moderno”, “ultrapassado”, etc. [N.M.]

[6] Mais uma vez, ver Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. [N.M.]

[7] No original, “a América”. Tenho aversão ao uso de “América” e “americanos” para se referir aos Estados Unidos e aos estadunidenses. América é o continente, americanos somos todos nós que nele vivemos. [N.M.]

[8] O Brasil de 2013-20XX talvez mereça um lugar nesse pódio. [N.M.]

[9] ver “Comparar o Orçamento Público e Orçamento Doméstico é Uma Falácia” e “A ‘Fada da Confiança’ Não Vai Resolver a Crise”, de Pedro Paulo Zaluth Bastos; “Os Irresponsáveis no Poder: Desmontando o Conto da Dona de Casa”, de Ladislau Dowbor; e “Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. Além disso, para se aprofundar no tema da austeridade, suas motivações, desenvolvimento histórico e impactos, há ótimos livros e relatórios online disponíveis como o “Austeridade e Retrocesso”, organizado pela Friedrich Ebert Stiftung, a Fórum 21, a Plataforma Política Social, e pela Sociedade Brasileira de Economia Política; e o “Austeridade Para Quem?”, organizado pelos profs. Pedro Paulo Zaluth Bastos e Luiz Gonzaga Belluzzo. [N.M.]

[10] fundos de investimento de perfil muito agressivo – https://pt.wikipedia.org/wiki/Fundo_de_cobertura. [N.M.]

[11] referência à residência oficial do primeiro-ministro na Inglaterra. [N.M.]

[12] Mesmo fenômeno que se observou no Brasil, com a crise à partir do final do primeiro governo Dilma. [N.M.]

[13] Desde a guinada neoliberal de Thatcher e suas vitórias contra os sindicatos – ver “Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. [N.M.]

[14] novamente, um fenômeno muito semelhante ao ocorrido no Brasil entre 2014~20XX. [N.M.]

[15] referência à sequência de tendências de queda da economia britânica. [N.M.]

[16] mais uma vez, não muito diferente da ideia estapafúrdia de fato adotada no Brasil, de congelar o orçamento público diretamente no texto constitucional, teoricamente por 20 anos. [N.M.]

[17] Novamente, o paralelo com o Brasil é interessantíssimo: depois de anos da mais profunda crise econômica, bastou uma safra descomunal puxar um pouco o PIB em meados de 2017 para que os comentaristas se deitassem em elegias ao suposto fim da crise e o “sucesso” da equipe econômica encabeçada pelo banqueiro Henrique Meirelles, mesmo que os demais setores da economia continuassem sua irresistível trajetória de queda. [N.M.]

[18] Mais uma vez, o paralelo com o Brasil é irresistível: Depois de ver a receita fiscal frustrada mesmo depois de todos os cortes draconianos dos últimos anos, a equipe de Meirelles foi obrigada a reconhecer que “talvez” será “obrigada” a aumentar impostos. [N.M.]

[19] No original, “Big Lie” – Seria algo como uma mentira tão colossal que ninguém acreditaria que aquilo pudesse ser mentira.  https://en.wikipedia.org/wiki/Big_lie . [N.M.]

[20] embora o significado da palavra seja “cidade”, a City também é o nome que usam para se referir ao centro financeiro da cidade de Londres. [N.M.]

[21] o Socialismo pretende, justamente, libertar esse potencial humano para além do trabalho assalariado – alguns textos sobre essa perspectiva: ‘O Socialismo Vai Ser Chato?’ de Danny Katch; Rumo a Uma Sociedade Pós-Trabalho’, de David Frayne; Renda Básica e o Futuro do Trabalho, de David Raventós e Julie Wark; ‘A Gente Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim’, Políticas Para Se ‘Arranjar Uma Vida’ e Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância de Peter Frase. [N.M.]

[22] um texto bem interessante sobre a importância de narrativas utópicas para ajudar a moldar nossas expectativas do que é possível: “O Lamentável Declínio das Utopias Espaciais”, de Brianna Rennix. [N.M.]

[23] no Brasil isso ainda se observa, com a proliferação de páginas de Direita “liberal” à partir de 2013. [N.M.]

[24] ver “Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro”, de Mark Fisher. [N.M.]

[25] mais uma vez, ver “O Lamentável Declínio das Utopias Espaciais”, de Brianna Rennix. [N.M.]

[26] na política inglesa existe a figura do “gabinete à sombra”, que seriam os ministros do governo caso o partido na oposição assumisse o poder; o “Shadow Chancellor”, ou “chanceler à sombra” está à espera para assumir o cargo de chanceler (o equivalente a Ministro da Fazenda no Brasil) caso o governo atual seja substituído por um governo da oposição. [N.M.]

[27] no original, “something of a bellwether.” [N.M.]

[28] novamente, ver “Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. [N.M.]

[29] Se nenhuma eleição antecipada for convocada, diante de alguma pressão, como foi com a própria eleição de 2017, apenas 2 anos após a disputa de 2015. [N.M.]

[30] ver Quatro Futuros‘ e ‘Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância‘,  de Peter Frase; [N.M.]

[31] para vários aspectos dessa discussão, ver  ‘Quatro Futuros‘, ‘Lingerie Egípcia e o Futuro Robô‘, ‘Precisamos Dominá-la‘, ‘Tecnologia e Ecologia Como Apocalipse e Utopia‘, ‘Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância‘,  de Peter Frase; ‘Todo Poder Aos Espaços de Fazedores’, de Guy Rundle; ‘Tecnologia e Estratégia Socialista‘, de Paul Heideman; ‘Robôs e Inteligência Artificial: Utopia ou Distopia?‘, de Michael Roberts; ‘Os Robôs Vão Tomar Seu Emprego?‘ de Nick Srnicek & Alex Williams; ‘Rumo a Uma Sociedade Pós-Trabalho‘, de David Frayne; ‘Robôs, Crescimento e Desigualdade‘, de Andrew Berg, Edward F. Buffie, e Luis-Felipe Zanna; ‘Automação e o “Fim do Trabalho” na Mídia Internacional Dominante‘; ‘A Revolução Cybersyn’, de Edin Medina; ‘Inovação Vermelha’, de Tony Smith. [N.M.]

[32] alguns textos que discutem a ideia de uma Renda Básica Universal ou Renda Cidadã Universal: Rumo a Uma Sociedade Pós-Trabalho’, de David Frayne; ‘Renda Básica e o Futuro do Trabalho’, de David Raventós e Julie Wark; ‘A Gente Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim’, ‘Políticas Para Se ‘Arranjar Uma Vida’ e Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância de Peter Frase; ‘Vivo Sob o Sol’, de Alyssa Battistoni. [N.M.]

[33] ver ‘Sua Majestade, a Teoria Econômica’, de David Harvey; ‘Não Há Alternativa?’, de István Mészáros;  [N.M.]

[34] é importante lembrar que esse aumento todo de produtividade ainda não tem sido observado na prática – ver Lingerie Egípcia e o Futuro Robô e Tecnologia e Ecologia Como Apocalipse e Utopia‘, de Peter Frase. [N.M.]

[35] ver ‘Vivo Sob o Sol’ e ‘Um Mundo Socialista Não Significaria Só Uma Crise Ambiental Maior Ainda?’, de Alyssa Battistoni. [N.M.]

[36] não deixaria de ter algo de ironia histórica, uma vez que foi o país que puxou a implantação do Capitalismo e da Revolução Industrial em nível mundial, e de onde os socialistas na metade do século XIX esperavam que brotaria a revolução socialista mundial, com seu estágio capitalista mais avançado do que nos países que se inseriam rapidamente no modelo de industrialização capitalista. [N.M.]

[37]

https://www.youtube.com/watch?v=Bs9NfhnfQLc

[38] mais uma vez, ver Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro” [N.M.]

[39] ver nota 2. [N.M.]

[40] novamente, ver nota 2. [N.M.]

[41] TUC – federação de sindicatos. [N.M.]

[42] https://www.theguardian.com/society/2011/mar/26/march-for-the-alternative-government

[43] no original, wonks. [N.M.]

[44] no oringinal, “hung parliament” – quando nenhum partido consegue uma maioria. [N.M.]

[45] “Leave” era o voto para deixar a União. [N.M.]

[46] ver https://medium.com/@marques.v/n%C3%A3o-prestar-pra-nada-5c51034c65d9 e  https://www.versobooks.com/blogs/3049-in-memoriam-mark-fisher-1968-2017 . [N.M.]

[47] Mais uma vez, ver Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas”, de George Monbiot. [N.M.]


Leituras Relacionadas

Este artigo faz parte da série de leituras ‘Sobre Capitalismo‘. Os textos da série buscam apresentar:

  1. Os aspectos principais que definem o Capitalismo e suas tendências;
  2. Os problemas, contradições, antagonismos e limites do sistema social/político/econômico/ideológico/moral em que vivemos, que nos impedem de termos vidas plenas e satisfatórias, e que podem inclusive levar ao fim da vida humana como conhecemos.
  3. Como muitas das tendências problemáticas do sistema são tão centrais que dificilmente poderemos ter uma solução sustentável apenas “domando” o capitalismo, esperando a benevolência de bilionários ou a visão inovadora de empreendedores geniais – muitos desses problemas só poderão ser realmente resolvidos com a superação do próprio sistema por uma alternativa mais democrática, mais racional, mais equilibrada, mais justa, mais sustentável e mais humana.

  • Democratizar Isso [Michal Rozworski] – “Os planos do Partido Trabalhista inglês para buscar modelos democráticos de propriedade são o aspecto mais radical do programa de Corbyn, e um dos mais radicais que temos visto na política dominante em muito tempo.”
  • O Ponto de Ruptura da Social-Democracia‘ [Peter Frase] – ‘Precisamos de uma Política que reconheça que o acordo de classes da Social-Democracia é insustentável.
  • Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro‘ [Mark Fisher] – “O fracasso do futuro assombra o capitalismo: depois de 1989, a vitória do capitalismo não consistiu na sua reivindicação confiante do futuro, mas em negar que o futuro seja possível. Tudo o que podemos esperar, temos sido levados a acreditar, é mais do mesmo – mas em telas de resolução mais alta com conexões mais rápidas. A assombralogia, penso, expressa insatisfação com esta exclusão do futuro. […]  Parte da batalha agora será para garantir que o neoliberalismo seja percebido como morto. Acho que isso já está acontecendo. Há uma mudança nas atmosferas culturais, pequena no momento, mas vai crescer.”
  • Não Há Alternativa? [István Mészáros] – “Para muita gente, a presente situação parece fundamentalmente inalterável. Esta impressão parece ser reforçada por um dos slogans políticos mais frequentemente repetidos pelos que tomam as decisões por nós: ‘não há outra alternativa.’ Contudo, a dedicação de nossos líderes políticos ao avanço dos imperativos do sistema do capital não elimina suas deficiências estruturais e seus antagonismos potencialmente explosivos. Descobrir uma saída do labirinto das contradições do sistema do capital global por meio de uma transição sustentável para uma ordem social muito diferente é, portanto, mais imperativo hoje do que jamais o foi, diante da instabilidade cada vez mais ameaçadora.”
  • Neoliberalismo, A Ideologia na Raiz de Nossos Problemas [George Monbiot] – “Crise financeira, desastre ambiental e mesmo a ascensão de Donald Trump – o Neoliberalismo,  a ideologia dominante no ‘Ocidente’ desde os anos 80, desempenhou seu papel em todos eles. Como surgiu e foi adotado pelas elites a ponto de tornar-se invisível e difuso? Por que a Esquerda fracassou até agora em enfrentá-lo?”
  • O Ano em Que o Capitalismo Real Mostrou a Que Veio [Perry Anderson] – “Tudo que nós um dia deveríamos temer sobre o socialismo — desde repressão estatal e vigilância em massa até padrões de vida em queda — aconteceu diante de nossos olhos
  • Como Vai Acabar o Capitalismo? [Wolfgang Streeck] – “O epílogo de um sistema em desmantêlo crônico: A legitimidade da ‘democracia’ capitalista se baseava na premissa de que os Estados eram capazes de intervir nos mercados e corrigir seus resultados, em favor dos cidadãos; hoje, as dúvidas sobre a compatibilidade entre uma economia capitalista e um sistema democrático voltaram com força total.”
  • Quatro Futuros [Peter Frase] – Uma coisa de que podemos ter certeza é que o Capitalismo vai acabar; a questão, então, é o que virá depois.
  • Por Que Socialismo? [Albert Einstein] – Albert Einstein explica, de maneira clara e objetiva, os problemas fundamentais que enxerga na sociedade capitalista e porque uma sociedade socialista poderia ser o caminho para superá-los.
  • O Projeto Socialista e a Classe Trabalhadora [David Zachariah] – “As pessoas na Esquerda estão unidas em seu objetivo de uma sociedade em que cada indivíduo encontre meios aproximadamente iguais para o pleno desenvolvimento de suas capacidades diversas. O que distingue os socialistas é o reconhecimento de que a forma específica como a sociedade está organizada para reproduzir a si mesma também reproduz grandes desigualdades sociais nos padrões de vida, emprego, condições de trabalho, saúde, educação, habitação, acesso à cultura, meios de desenvolvimento e frutos do trabalho social, etc.
  • ABCs do Socialismo – [Especial da revista Jacobin sobre questões básicas relacionadas com o Socialismo]
  • O Marxismo Está Ultrapassado? Ele Só Tinha Algo a Dizer Sobre a Inglaterra do Século XIX, e Olhe Lá?

3 pensamentos sobre “Dossiê Corbyn

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