Lingerie Egípcia e o Futuro Robô

O pânico sobre automação erra o alvo – o verdadeiro problema é que os próprios trabalhadores são tratados feito máquinas.

por Peter Frase, na Revista Jacobin, agosto de 2015

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Uma trabalhadora de fábrica opera os fusos na Companhia Têxtil Tan Dong na Cidade de Ho Chi Minh, Vietnã. | Foto: Eric Wolfe / Flickr

A edição atual da revista New Yorker apresenta um texto sobre o estranho fenômeno dos comerciantes chineses de lingerie no Egito. [1] Estes imigrantes empreendedores são encontrados por todo lado nos distritos pobres e conservadores do alto Egito, onde entregam trajes sexy às pías mulheres muçulmanas da região.

Os detalhes culturais e geopolíticos da história são interessantes por um número de razões, mas eu fui atingido em particular por uma ressonância com alguns debates que recentemente foram reacesos sobre trabalho e automação, por razões às quais vou retornar abaixo.

“Os robôs vão tomar nossos empregos” é um perpétuo da economia política popular. Típico da última colheita é um artigo de Derek Thompson no Atlantic, que especula sobre um “Mundo Sem Trabalho” [2] no rastro da adoção em massa de robotização e informatização. Paul Mason oferece uma rendição política mais esquerdista de temas similares. [3]

Como observei anteriormente, [4] esse tipo de coisa não é novo, e é de fato uma ansiedade que recorre ao longo da história do capitalismo. Duas décadas atrás, tinhamos gente como Jeremy Rifkin [5] e Stanley Aronowitz [6] meditando sobre “o fim do trabalho” e o “futuro sem empregos.”

E estas ondas recorrentes de robo-futurismo invocam à existência a mesma recorrente insistência de que robôs não estão, de fato, tomando todos os empregos. Doug Henwood estava nessa toada [7] vinte anos atrás e permanece nela hoje. [8] Matthew Yglesias, de forma parecida, [9] chama o medo da automação um “mito.”

Uma das coisas específicas que pessoas como Henwood e Yglesias sempre citam são as estatísticas de produtividade. Se nós estivéssemos vendo uma onda de automação sem precedentes, então deveríamos estar vendo rápidos aumentos na produtividade do trabalho medida – ou seja, o total de produto que pode ser produzido por hora de trabalho humano. Ao invés, entretanto, o que nós temos visto é um crescimento de produtividade historicamente baixo, comparado com o que aconteceu na metade e no fim do século XX.

Tudo isso leva comentaristas como Yglesias e Tyler Cowen [10] a se afligir de que os robôs não estão vindo rápido o bastante. Típico da maioria dos escritores neste tema, Yglesias apenas se preocupa vagamente que aumentos na produtividade não acontecerão por algum motivo não especificado.

Tenho argumentado um certo número de vezes por uma explanação [11] que conecte a questão da automação e o crescimento da produtividade diretamente aos salários e à condição geral dos trabalhadores. A ideia básica é bem simples. Da perspectiva do chefe, substituir um trabalhador por uma máquina terá mais apelo no grau em que a máquina for (1) mais barata do que o trabalhador humano e (2) mais conveniente e mais fácil de controlar do que o trabalhador humano.

Isso implica que se os trabalhadores conquistarem salários mais altos e mais controle sobre suas condições de trabalho, seus empregos terão maior chance de serem automatizados. De fato, argumentos como este frequentemente brotam entre críticos de coisas como a campanha de Luta Por 15, [12] que demanda salários mais altos para trabalhadores das redes de fast-food e outros empregados de baixo-salário. Protótipos [13] para máquinas de montagem automática de sanduíches são citados para alertar trabalhadores de que seus empregos estão sob risco de serem automatizados.

Eu considero tais alarmes não como argumentos contra salários maiores, mas argumentos por eles. Trabalhadores, enquanto lutam por seus interesses, guiam a dialética [14] que força capitalistas a buscar formas menos intensivas em trabalho para produzir. A próxima tarefa política, então, é garantir que os benefícios de tais inovações derivem para as massas, e não para uma pequena classe de proprietários de robôs.

O que eu mais temo não é que todo o nosso trabalho será substituído por máquinas. Pelo contrário, como Yglesias, eu me preocupo é que ele não será – mas por uma razão levemente diferente. Novamente, chefes preferem trabalhadores a máquinas quando eles são mais baratos e mais fáceis de controlar. Daí a perspectiva verdadeiramente distópica é que a trabalhadora seja tratada como se fosse ela mesma uma máquina, ao invés de ser substituída por uma.

O que nos traz de volta, finalmente, aos comerciantes de lingerie chinesa. O autor do artigo, Peter Hessler, conversa com um desses comerciantes e pede a ele que comente sobre o maior problema desafiando o Egito. Para sua surpresa, seu entrevistado, Lin Xianfei, tem uma resposta rápida: desigualdade de gênero.

Mas acontece que Lin não é algum tipo de ardente feminista secreto. Na verdade, sua perspectiva gira em torno de exigências de acumulação de capital. Por que enquanto um tipo de patriarcado é um impedimento para os negócios, outro tipo pode ser bem valioso para o homem de negócios astuto.

O problema, da perspectiva de Lin, é que as mulheres egípcias em sua região simplesmente não participam do trabalho assalariado, ou, se o fazem, é apenas por curtos períodos de tempo, antes de casar e retirar-se para o lar. Pior ainda, normas locais sobre comportamento feminino apropriado impedem que se retire mulheres de suas casas para viver em dormitórios massivos, como pode ser feito na China. Assim se torna inviável operar fábricas em ciclos de produção de 24 horas por dia.

Contratar homens, enquanto isso, está fora de questão – outro homem, Xu Xin, diz a Hessler que homens egípcios são preguiçosos e indisciplinados demais para o trabalho de manufatura. Hessler segue observando que “no começo da explosão econômica na China, chefes contratavam mulheres jovens por que elas podiam receber menos e eram mais facilmente controladas do que homens.”

Ele comenta que trabalhadoras chinesas se revelaram “mais motivadas,” como se estivesse identificando alguma coisa distinta de sua posição de poder inferior em relação aos homens. Mas é realmente a mesma coisa. “Mais motivadas,” aqui, se refere ao impulso para trabalhar duro para o chefe, para os lucros de outra pessoa e para as riquezas de outra pessoa. Para se comportar, em outras palavras, como máquinas obedientes. O capitalista chinês contesta a estrutura patriarcal da sociedade rural egípcia não por que seja patriarcal, então, mas por que é uma forma de patriarcado inconveniente para a acumulação de capital.

E com certeza, encarados por humanos recalcitrantes, os magnatas têxteis do Egito se voltam para a mesma solução que a empresa chinesa de eletrônicos Foxconn adotou [15] no rastro de revoltas de trabalhadores por lá. Wang Weiqiang ecoa as reclamações de outros industrialistas sobre o trabalho egípcio: os homens são preguiçosos, as mulheres “só vão trabalhar durante o dia.” Como resultado, “ele pretende introduzir maior mecanização na esperança de maximizar o dia de trabalho curto.”

Maior mecanização e maximização de um dia de trabalho curto podem parecer trágicos para o capitalista, mas isso resume os objetivos de curto-prazo da Esquerda Socialista Pós-Trabalho. Trabalhadores combativos e exigentes estimulam desenvolvimentos tecnológicos que promovem esses objetivos.

E a interpretação socialista-feminista deste projeto insiste que nós podemos evitar que trabalhadores sejam tratados como máquinas não os blindando com uma moralidade patriarcal e paternalista, mas ao invés, insistindo que homens e mulheres podem reconhecer igualmente seu trabalho pago e não-pago para rejeitá-lo. [16]

Tradução: Everton Lourenço


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Notas:

[1] http://www.newyorker.com/magazine/2015/08/10/learning-to-speak-lingerie

[2] http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2015/07/world-without-work/395294/

[3] https://www.theguardian.com/books/2015/jul/17/postcapitalism-end-of-capitalism-begun

[4] https://ominhocario.wordpress.com/2016/09/23/precisamos-domina-la/

[5] https://books.google.com.br/books/about/The_End_of_Work.html?id=GjGZEVddXSYC&redir_esc=y

[6] https://www.upress.umn.edu/book-division/books/the-jobless-future

[7] http://www.leftbusinessobserver.com/Jobless_future.html

[8] https://www.jacobinmag.com/2015/07/mason-guardian-capitalism-new-economy-post-work/

[9] http://www.vox.com/2015/7/27/9038829/automation-myth

[10] https://books.google.com.br/books/about/The_Great_Stagnation.html?id=Aq7-tgAACAAJ&redir_esc=y

[11] http://www.peterfrase.com/2012/03/technological-grotesques/

[12] https://www.jacobinmag.com/2013/10/beyond-fast-food-strikes/

[13] http://momentummachines.com/

[14] https://www.jacobinmag.com/2012/02/the-dialectic-of-technology/

[15] http://blogs.wsj.com/digits/2015/05/05/foxconns-robot-army-yet-to-prove-match-for-humans/

[16] https://ominhocario.wordpress.com/2016/10/01/politicas-para-se-arranjar-uma-vida/

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