Modernidade de Esquerda: Por um Futuro de Progresso, Liberdade e Emancipação Universais

“No clima atual, em todo o mundo, quase tudo que pode ser proposto como alternativa parecerá utópico ou trivial. Assim, nosso pensamento programático está paralisado.” – Roberto Mangabeira Unger

por Nick Srnicek e Alex Williams, em ‘Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work’ [“Inventando o Futuro: Pós-Capitalismo e um Mundo Sem Trabalho”]

modernidade-esquerda

[ foto de Mark Jonas de um mural na rua Mulberry, em Baltimore]

[Nota do Minhocário: O artigo abaixo é o capítulo 4 do livro de Nick Srnicek e Alex Williams, ‘Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work’ (“Inventando o Futuro: Pós-Capitalismo e um Mundo Sem Trabalho”), “Left Modernity”. Sendo assim, haverá algumas referências a outros capítulos no texto, mas isso não atrapalhará em praticamente nada a compreensão das principais ideias sendo discutidas em torno das propostas defendidas pelos autores como elementos centrais para uma visão de uma modernidade de Esquerda:

Este capítulo [1] marca um ponto de virada. Depois da tarefa negativa de diagnosticar as limitações estratégicas da esquerda contemporânea [ver nota 1], este capítulo inicia o projeto positivo de elaborar uma rota de fuga de nossa condição atual. Nos capítulos seguintes, argumentamos que a esquerda contemporânea deve reivindicar a modernidade, construir uma força populista e hegemônica e mobilizar-se por um futuro pós-trabalho. [2] Tentativas folk-políticas de prefiguração, ação direta e de horizontalismo implacável dificilmente conseguirão atingir isso, em parte porque elas não reconhecem bem a natureza de seu oponente. [3] O capitalismo é um universal agressivamente expansivo, dentro do qual os esforços para se segregar um espaço de autonomia estão fadados ao fracasso. [4] Retirada, resistência, localismo e espaços autônomos representam um jogo defensivo contra um capitalismo intransigente e de ataque incessante. Além disso, particularismos podem facilmente coexistir com o universalismo capitalista: As inúmeras variantes culturais e políticas do capitalismo fazem pouco para abafar a expansão da mercantilização, a criação de proletariados e o imperativo da acumulação. A muito lamentada capacidade do capitalismo de incorporar a resistência na maioria das vezes simplesmente revela que os particularismos são, em si mesmos, incapazes de competir contra um universalismo. [5] De fato, dada a natureza inerentemente expansionista do neoliberalismo, [6] apenas algum tipo de universal alternativo expansionista e inclusivo será capaz de combater e substituir o capitalismo numa escala global. [7] Dada a dinâmica de acumulação no coração do capital, um capitalismo não expansionista é um oxímoro. [8] Uma política de esquerda ambiciosa, portanto, não pode se contentar com medidas para defender questões locais. Em vez disso, deve buscar construir uma nova política orientada para o futuro, capaz de desafiar o capitalismo nas maiores escalas; deve desmascarar a pseudo-universalidade das relações sociais capitalistas e recapturar o significado do futuro.

Este capítulo dá um passo para trás em relação ao enfoque empírico e histórico dos capítulos anteriores e procura elaborar uma fundamentação filosófica para os capítulos seguintes. Defendemos que um elemento-chave de qualquer esquerda orientada para o futuro deve ser a disputa pela idéia de “modernidade”. Enquanto as abordagens de política folk carecem de uma visão sedutora do futuro, as lutas sobre a modernidade sempre foram disputas sobre como deve ser o futuro: do modernismo comunista do início da União Soviética ao socialismo científico da social-democracia do pós-guerra [9] e à elegante eficiência neoliberal de Thatcher e Reagan. [10] O que significa ser moderno não está pré-estabelecido; ao invés, é um campo altamente disputado. [11] No entanto, em face do sucesso do capitalismo em se universalizar, este termo foi quase totalmente cedido à direita. “Modernização” passou a significar simplesmente alguma pavorosa combinação de privatização, maior exploração, desigualdade crescente e de  gerencialismo inepto. [12] Da mesma forma, as noções do futuro tendem a girar em torno de idéias de apocalipse ecológico, desmantelamento do estado de bem-estar social ou de distopia corporativa, [13] em vez de qualquer coisa que carregue a marca de utopia ou de emancipação universal. [14] Para muitos, portanto, “modernidade” é simplesmente uma expressão cultural do capitalismo. [15] A partir dessa sabedoria aceita, segue-se a conclusão necessária: somente o cancelamento da modernidade pode trazer o fim do capitalismo. O resultado tem sido uma tendência antimoderna no interior de numerosos movimentos sociais a partir dos anos 1970. No entanto, essa mistura equivocada de modernidade com as instituições do capitalismo negligencia as formas alternativas que ela poderia assumir e as maneiras pelas quais muitas lutas anticapitalistas apoiam-se em seus ideais. [16] A modernidade apresenta tanto uma narrativa para a mobilização popular quanto uma estrutura filosófica para a compreensão do arco da História. Como o termo que indexa a direção da sociedade, deve ser um campo de batalha discursivo fundamental para qualquer política de esquerda que invista na criação de um mundo melhor. [17] Este capítulo delineia as referências filosóficas gerais de um tal projeto, examinando três fatores que ajudariam a elaborar uma modernidade de esquerda: uma imagem de progresso histórico, um horizonte universalista e um compromisso com a emancipação.

Ao discutir “modernidade”, enfrentamos o problema imediato de esclarecer o que isso significa; pode se referir a um período cronológico, tipicamente filtrado através da História européia com vários eventos tendo sido postulados como sua origem: o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial. [18] Para outros, a modernidade é definida por um conjunto distinto de práticas e instituições: burocratização generalizada, um quadro básico de democracia liberal [19], a diferenciação das funções sociais, a colonização do mundo não europeu e a expansão das relações sociais capitalistas. No entanto, a modernidade também se refere a um repertório de inovações conceituais que giram em torno de ideais universais de progresso, razão, liberdade e democracia. Este capítulo enfatiza estes últimos aspectos: a modernidade nomeia um conjunto de conceitos que foram desenvolvidos independentemente em numerosas culturas em todo o mundo, mas que assumiram uma ressonância específica na Europa. Esses são os elementos da modernidade que não podem ser renunciados, e que formam a nascente de onde são gerados os discursos mais populares em torno da modernização. Os ideais conceituais – como liberdade, democracia e secularismo – são a fonte tanto da modernidade capitalista quanto das lutas contra ela. Ideias associadas à modernidade animaram o trabalho dos abolicionistas, formaram a base de numerosas lutas sindicais africanas, [20] e continuam hoje ‘naquelas milhares de campanhas por salários, direitos à terra, saúde básica e segurança, dignidade, autodeterminação, autonomia, e assim por diante’. [21] Em termos amplos, portanto, seja explicitamente reconhecido como tal ou não, as lutas políticas de hoje são lutas dentro do espaço da modernidade e de seus ideais. A modernidade deve ser disputada, não rejeitada. [22]

Progresso “Hipersticional

Invocar a modernidade é, em última análise, levantar a questão do futuro: Como deve ser o futuro? Para quais direções devemos seguir? O que significa ser contemporâneo? E de quem é o futuro? Desde o surgimento do termo, a modernidade tem se preocupado em desvendar uma noção circular ou retrospectiva do tempo e introduzir uma ruptura entre o presente e o passado. Com essa ruptura, o futuro é projetado como sendo potencialmente diferente e melhor que o passado. [23] A modernidade equivale à “descoberta do futuro” e, portanto, encontrou-se intimamente ligada a noções como “progresso, avanço, desenvolvimento, emancipação, libertação, crescimento, acumulação, iluminação, melhoria, [e] vanguarda”. [24] Sugerindo que a História pode progredir através da ação humana deliberada, é pela natureza desse progresso que as definições concorrentes de modernidade têm disputado. [25] Historicamente, a esquerda encontra seu lar natural em estar orientada para o futuro. Das primeiras visões comunistas de progresso tecnológico, às utopias espaciais soviéticas, até a retórica social-democrata do “calor branco da tecnologia”, o que diferenciava a esquerda da direita era que ela inequivocamente abraçava o futuro. O futuro deveria ser uma melhoria em relação ao presente em termos materiais, sociais e políticos. Em contraste, as forças da direita política eram, com algumas exceções notáveis, definidas por sua defesa da tradição e por sua natureza essencialmente reacionária. [26]

Essa situação foi revertida durante a ascensão do neoliberalismo, com políticos como Thatcher comandando a retórica da modernização e do futuro com grande efeito. Cooptando esses termos e os mobilizando num novo senso comum hegemônico, a visão de modernidade do neoliberalismo tem dado as rédeas desde então. [ver nota 10 e nota 19] Consequentemente, as discussões da esquerda em termos do futuro agora parecem aberrantes, até mesmo absurdas. Com o momento pós-moderno, os laços aparentemente intrínsecos entre o futuro, a modernidade e a emancipação foram separados. Filósofos como Simon Critchley podem agora afirmar confiantes que “temos de resistir à idéia e à ideologia do futuro, que é sempre o último trunfo das idéias capitalistas de progresso”. [27] Tais sentimentos folk-políticos aceitam cegamente o senso comum neoliberal, preferindo fugir de grandes visões e substituí-las por uma postura de resistência. Do desconforto da esquerda radical com a modernidade tecnológica até a incapacidade da esquerda social-democrata de visualizar um mundo alternativo, em toda parte hoje o futuro foi em grande parte cedido à direita. Uma habilidade na qual a esquerda costumava possuir excelência – a construção de visões sedutoras para um mundo melhor – se deteriorou após anos de negligência.

Se a esquerda pretende recuperar um senso de progresso, entretanto, não pode simplesmente adotar as imagens clássicas da História em direção a um destino singular. O progresso, para essas abordagens, não era apenas possível, mas estava, de fato, entrelaçado como uma necessidade no próprio tecido da história. Se pensava que as sociedades humanas viajavam ao longo de um caminho predeterminado rumo a um único resultado, com a Europa por modelo; as nações da Europa eram consideradas como tendo desenvolvido a modernidade capitalista de maneira independente, e suas experiências históricas de desenvolvimento eram consideradas necessárias e superiores às de outras culturas. [28] Tais idéias dominaram a filosofia européia tradicional e continuaram na influente literatura de modernização dos anos 1950 e 1960, com suas tentativas de naturalizar o capitalismo contra um oponente soviético. [29] Parcialmente endossado tanto pelo marxismo inicial quanto pelos capitalismos neoliberais e keynesianos posteriores, a ideia de um modelo único de progresso histórico que serviria a todos posicionava sociedades não-ocidentais como carentes e necessitadas de desenvolvimento – uma posição que servia para justificar práticas coloniais e imperiais. [30]

Do ponto de vista de seus críticos filosóficos, essas noções de progresso foram depreciadas precisamente por sua crença em destinos preconcebidos – seja na progressão liberal em direção à democracia capitalista ou na progressão marxista em direção ao comunismo. O registro histórico complexo e muitas vezes desastroso do século XX demonstrou conclusivamente que não se pode confiar que a História seguirá qualquer curso predeterminado. [31] A regressão era tão provável quanto o progresso, o genocídio tão possível quanto a democratização. [32] Em outras palavras, não havia nada inerente à natureza da História, ao desenvolvimento dos sistemas econômicos ou às sequências de lutas políticas que garantisse qualquer resultado específico. De uma perspectiva amplamente à esquerda, por exemplo, mesmo aqueles ganhos políticos limitados (mas não insignificantes) que foram alcançados – como os sistemas de bem-estar social, os direitos das mulheres e as proteções aos trabalhadores – podem ser revertidos. Além disso, mesmo em Estados onde governos nominalmente comunistas tomavam o poder, se provou muito mais difícil do que se esperava passar de um sistema de produção capitalista para um sistema totalmente comunista. [33] Essa série de experiências históricas alimentou uma crítica interna da modernidade européia por meio da psicanálise, da teoria crítica e do pós-estruturalismo. Para os pensadores do pós-modernismo, a modernidade passou a ser associada a uma ingenuidade crédula. [34] Na definição de Jean-François Lyotard, que marcou a época, a pós-modernidade foi identificada como a era que passou a suspeitar da grande metanarrativa. [35] Nessa descrição, a pós-modernidade é uma condição cultural de desilusão com os tipos de narrativas grandiosas representadas pelos relatos capitalista, liberal e comunista de progresso.

Certamente, essas críticas captam algo importante sobre a textura cronológica do nosso tempo. E, ainda assim, o anúncio do fim das grandes narrativas tem sido frequentemente visto pelos que estão fora da Europa como sendo absolutamente consistente com a modernidade. [36] Além disso, com o benefício de trinta anos de retrospectiva, o impacto mais amplo da condição cultural diagnosticada por Lyotard não foi o declínio da crença nas metanarrativas em si, mas sim um amplo desencanto com aquelas oferecidas pela esquerda. A associação entre capitalismo e modernização permanece, enquanto que noções apropriadamente progressistas do futuro murcharam sob a crítica pós-moderna e foram aniquiladas sob os escombros sociais do neoliberalismo. Mais significativamente, com o colapso da União Soviética e a ascensão da globalização, a História parece de fato ter uma grande narrativa. [37] Por todo o mundo, mercados, trabalho assalariado, mercadorias e tecnologias de aumento de produtividade se expandiram sob o imperativo sistêmico da acumulação. O capitalismo tornou-se o destino das sociedades contemporâneas, convivendo alegremente com as diferenças nacionais e prestando pouca atenção aos choques entre as civilizações. Mas podemos traçar uma distinção aqui entre o ponto final (o capitalismo) e o caminho em direção a ele. De fato, o entrelaçamento mútuo dos países significa que o caminho europeu (pesadamente dependente da exploração de colônias e da escravidão) está barrado para muitos dos países recém-lançados ao desenvolvimento. Embora existam amplos paradigmas de desenvolvimento, cada país teve que encontrar sua maneira única de responder aos imperativos do capitalismo global. O caminho da modernização capitalista é, portanto, instanciado em diferentes culturas, seguindo diferentes trajetórias e com diferentes ritmos de desenvolvimento. [38] O desenvolvimento desigual e combinado é a ordem do dia. [39] O progresso, portanto, não está vinculado a um caminho único europeu, mas está filtrado através de uma variedade de constelações políticas e culturais, todas direcionadas para instanciar relações capitalistas. Hoje, os modernizadores simplesmente lutam sobre qual variante do capitalismo instalar.

Recuperar a idéia de progresso sob tais circunstâncias significa, em primeiro lugar, contestar o dogma desse desfecho inevitável. A modernidade capitalista nunca foi um resultado necessário, mas sim um projeto de sucesso conduzido por várias classes e um imperativo sistêmico rumo à acumulação e à expansão. Várias modernidades são possíveis e novas visões do futuro são essenciais para a esquerda. Tais imagens são um complemento necessário para qualquer projeto político transformador. Eles dão uma direção às lutas políticas e geram um conjunto de critérios para julgar quais lutas apoiar, a quais movimentos resistir, o que inventar e assim por diante. Na ausência de imagens de progresso, só pode haver reatividade, batalhas defensivas, resistência local e uma mentalidade de bunker – o que caracterizamos como política folk. Visões do futuro são, portanto, indispensáveis ​​para a elaboração de um movimento contra o capitalismo. Contra os primeiros pensadores da modernidade, não há necessidade de progresso, nem um caminho singular pelo qual julgar a extensão do desenvolvimento. Em vez disso, o progresso deve ser entendido como “hipersticional”: como uma espécie de ficção, mas que visa transformar-se em uma verdade. As hiperstições operam catalisando o sentimento disperso em uma força histórica que traz o futuro à existência. Elas têm a forma temporal de “terá sido”. Tais hiperstições de progresso formam narrativas orientadoras para se navegar adiante, ao invés de serem uma propriedade estabelecida ou necessária do mundo. O progresso é uma questão de luta política, que não segue uma trajetória pré-estabelecida ou uma tendência natural, e sem garantia de sucesso. Se a suplantação do capitalismo é impossível do ponto de vista de uma ou até mesmo de muitas posições defensivas, é porque qualquer forma de política prospectiva deve estabelecer a construção do novo. Caminhos de progresso devem ser cortados e pavimentados, não meramente percorridos de alguma forma pré-ordenada; eles são uma questão de conquista política e não de providência divina ou terrena.

Universais Subversivos

Qualquer elaboração de uma imagem alternativa do progresso deve inevitavelmente enfrentar o problema do universalismo – a ideia de que certos valores, idéias e objetivos podem se sustentar por todas as culturas. [40] O capitalismo, como temos argumentado, é um universal expansionista que se tece através de múltiplos tecidos culturais, or reelaborando à medida que avança. Qualquer coisa menor do que um universal concorrente acabará sendo sufocado por uma série de relações capitalistas que a tudo abrange. [41] Vários particularismos – formas específicas e localizadas de política e cultura – coabitam com facilidade no mundo do capitalismo. A lista de possibilidades continua a crescer à medida que o capitalismo se diferencia no capitalismo chinês, no capitalismo estadunidense, no capitalismo brasileiro, no capitalismo indiano, no capitalismo nigeriano e assim por diante. Se defender um particularismo é insuficiente, é porque a História nos mostra que o espaço global do universalismo é um espaço de conflito, com cada competidor exigindo a provincialização relativa de seus concorrentes. [42] Se a esquerda pretende competir com o capitalismo global, ela precisa repensar o projeto do universalismo.

Mas invocar tal ideia é suscitar uma série de críticas fundamentais dirigidas contra o universalismo nas últimas décadas. Embora uma política universal deva ir além de quaisquer lutas locais, se generalizando numa escala global e através de variações culturais, é justamente por essas razões que ela tem sido criticada. [43] Como uma questão de registro histórico, a modernidade européia era inseparável de seu “lado negro” – uma vasta rede de domínios coloniais explorados, o genocídio dos povos indígenas, o tráfico de escravos e a pilhagem dos recursos das nações colonizadas. [44] Nessa conquista, a Europa se apresentou como incorporando o modo universal de vida. Todos os outros povos eram simplesmente particulares residuais que inevitavelmente viriam a ser absorvidos sob o caminho europeu – mesmo que isso exigisse violência física e ataque cognitivo implacáveis para garantir o resultado. Ligada a isso estava uma crença de que o universal era equivalente ao homogêneo. Diferenças entre culturas seriam, portanto, apagadas no processo de subsunção dos particulares sob o universal, criando uma cultura modelada à imagem da civilização européia. Este era um universalismo indistinguível do puro chauvinismo. Durante todo esse processo, a Europa dissimulava sua própria posição paroquial ao implantar uma série de mecanismos para apagar os sujeitos que faziam tais afirmações – homens brancos, heterossexuais e possuidores de propriedades. A Europa e seus intelectuais abstraíam para longe de sua localização e identidade, apresentando suas reivindicações como fundamentadas em uma “visão do nada”. [45] Esta perspectiva era tomada como sendo imaculada por particularidades raciais, sexuais, nacionais ou por quaisquer outras, fornecendo a base para a alegada universalidade das reivindicações da Europa e para a ilegitimidade de outras perspectivas. Enquanto os europeus podiam falar e incorporar o universal, outras culturas só podiam ser representadas como particulares e paroquiais. O universalismo, portanto, tem sido central para os piores aspectos da história da modernidade.

Dada essa herança, pode parecer que a resposta mais simples seria rescindir o universal de nosso arsenal conceitual.Porém, apesar de todas as dificuldades com a idéia, ela permanece necessária. O problema é, em parte, que não se pode simplesmente rejeitar o conceito do universal sem gerar outros problemas significativos. De maneira mais notável, desistir da categoria nos deixa apenas com uma série de particulares diversos. Parece não haver maneira de construir uma solidariedade significativa na ausência de algum fator comum. O universal também opera como um ideal transcendente – nunca satisfeito com qualquer encarnação específicia, e sempre aberto a lutar por melhoria; [46] ele contém o impulso conceitual para desfazer seus próprios limites. Rejeitar essa categoria também levanta o risco de “orientalizar” outras culturas, transformando-nas em um Outro exótico: Se existem apenas particularismos e a Europa provinciana está associada à razão, à ciência, ao progresso e à liberdade, então a implicação desagradável é que as culturas não-ocidentais devem ser desprovidas destes. As antigas divisões orientalistas são inadvertidamente sustentadas em nome de um anti-universalismo equivocado. Por outro lado, corre-se o risco de licenciar todo tipo de opressão como simplesmente a conseqüência inevitável de formas culturais plurais. Todos os problemas do relativismo cultural reaparecem se não houver critérios para discernir quais conhecimentos, políticas e práticas globais dão suporte a uma política de emancipação. Dado tudo isso, não é surpreendente ver aspectos de universalismo surgirem ao longo da história e em todas as culturas; [47] ver até mesmo seus críticos aceitarem a contragosto sua necessidade; [48] e ver uma variedade de tentativas de revisar a categoria. [49]

Para manter esta ferramenta conceitual necessária, o universal deve ser identificado não com um conjunto estabelecido de princípios e valores, mas sim com um espaço reservado vazio que é impossível de se preencher definitivamente. Universais emergem quando um particular vem ocupar essa posição por meio da luta hegemônica: [50] o particular (“Europa”) passa a se representar como o universal (“global”). Ele não é simplesmente um falso universal, porém, já que existe uma contaminação mútua: o universal torna-se corporificado no particular, enquanto o particular perde algumas das suas especificidades ao funcionar como o universal. No entanto, nunca pode haver um universalismo plenamente alcançado, e os universais estão, portanto, sempre abertos à contestação por outros universais. É isso que mais tarde descreveremos em termos político-estratégicos como contra-hegemonia [51] – um projeto que visa subverter um universalismo existente em favor de uma nova ordem. Isso nos leva ao segundo ponto – como contra-hegemônicos, os universais podem ter uma função estratégica subversiva e libertadora. Por um lado, um universal apresenta uma exigência incondicional – tudo deve ser colocado sob seu governo. [52] Entretanto, por outro lado, o universalismo nunca é um projeto alcançado (mesmo o capitalismo permanece incompleto). Essa tensão abre qualquer estrutura hegemônica estabelecida à contestação e permite que universais funcionem como vetores insurrecionais contra exclusões. Por exemplo, o conceito de direitos humanos universais, por mais problemático que seja, tem sido utilizado por numerosos movimentos, abrangendo desde as lutas habitacionais locais até a justiça internacional para crimes de guerra. Sua demanda universal e incondicional tem sido mobilizada para destacar aqueles que são excluídos de suas proteções e direitos. Da mesma forma, feministas têm criticado certos conceitos como excludentes das mulheres e mobilizam reivindicações universais contra suas restrições, como no uso da idéia universal de que “todos os seres humanos são iguais”. Em tais casos, o particular (“mulher”) torna-se uma maneira de processar uma crítica contra um universal existente (“humanidade”); enquanto isso, o universal previamente estabelecido (“humanidade”) é revelado como um particular (“homem”). [53] Esses exemplos mostram que os universais podem ser revitalizados pelas lutas que os desafiam e que os elucidam. Nesse sentido, “apelar ao universalismo como uma maneira de afirmar a superioridade da cultura ocidental é trair a universalidade, mas apelar ao universalismo como um meio de desmantelar a superioridade do Ocidente é realizá-lo”. [54] O universalismo, nesses termos, é o produto da política, não um juiz transcendental que paira acima das disputas.

Podemos nos voltar agora para um aspecto final do universalismo, que é sua natureza heterogênea. [55] Como o capitalismo deixa claro, universalismo não implica homogeneidade – não envolve necessariamente a conversão de coisas diversas no mesmo tipo de coisa. De fato, o poder do capitalismo é precisamente sua versatilidade em face das condições mutáveis ​​no terreno e sua capacidade de acomodar a diferença. Uma perspectiva semelhante também deve ser válida para qualquer universal de esquerda – deve integrar a diferença em vez de apagá-la. O que então tudo isso significa para o projeto da modernidade? Significa que qualquer imagem específica de modernidade deve estar aberta à co-criação, e a mais transformações e alterações. E em um mundo globalizado, onde diferentes povos coexistem necessariamente, isso significa construir sistemas para viver em comum, apesar da pluralidade de modos de vida. Ao contrário dos relatos eurocêntricos e das imagens clássicas de universalismo, deve reconhecer a agência dos que estão fora da Europa e a necessidade de suas vozes na construção de futuros verdadeiramente planetários e universais. O universal, portanto, é um espaço reservado vazio que os particulares hegemônicos (demandas, ideais e coletivos específicos) vem a ocupar; pode operar como um vetor subversivo e emancipatório de mudança em relação a universalismos estabelecidos, é heterogêneo e inclui diferenças, ao invés de eliminá-las.

Liberdade Sintética

Embora a esquerda tenha sido tradicionalmente associada a ideais de igualdade (manifestadas hoje no foco nas desigualdades de renda e riqueza), acreditamos que a liberdade é um princípio igualmente essencial da modernidade de esquerda. Esse conceito tem sido central nas batalhas políticas travadas ao longo do século XX, com os EUA rotineiramente posando como “o mundo livre” contra um inimigo totalitário (na figura da URSS e, depois, nas imagens cada vez mais incoerentes do “islamofascismo”). Nessas batalhas hegemônicas, o capitalismo tem repetidamente afirmado sua superioridade ao defender uma ideia de liberdade negativa: [56] Esta é a liberdade dos indivíduos da interferência arbitrária de outros indivíduos, coletivos e instituições (de maneira paradigmática, o Estado). A insistência da liberdade negativa na ausência de interferência tornou-a uma ferramenta ideal para ser manejada contra oponentes supostamente totalitários, embora seja um conceito de liberdade lamentavelmente emaciado. Na prática, isso se traduz em um mínimo de liberdade política em relação ao Estado (cada vez menos na era da espionagem digital e da guerra ao terror [57]) e nas liberdades econômicas para vender nossa força de trabalho e para escolher entre novos e brilhantes bens de consumo. [58] Sob a liberdade negativa, os ricos e os pobres são considerados igualmente livres, apesar das diferenças óbvias em suas capacidades de agir. [59] A liberdade negativa é totalmente compatível com a pobreza em massa, fome, falta de moradia, desemprego e desigualdade; também é totalmente compatível com os nossos desejos sendo fabricados e projetados pela publicidade pervasiva. Contra esse conceito limitado de liberdade, defendemos uma versão muito mais substancial.

Enquanto a liberdade negativa está preocupada em garantir o direito formal de evitar a interferência, a “liberdade sintética” reconhece que um direito formal sem uma capacidade material é inútil. [60] Sob uma democracia, por exemplo, todos somos formalmente livres para concorrer à liderança política; entretanto, sem os recursos financeiros e sociais para realizar uma campanha, esta é uma liberdade sem sentido. Igualmente, somos todos formalmente livres para não aceitarmos um emprego, mas a maioria de nós é no entanto praticamente forçada a aceitar o que quer que seja oferecido. [61] Em ambos os casos, várias opções podem estar teoricamente disponíveis, mas para todos os efeitos práticos estão fora da mesa. Isso revela a importância de se ter os meios para realizar um direito formal, e é essa ênfase nos meios e nas capacidades para agir que é crucial para uma abordagem esquerdista para a liberdade. Como Marx e Engels escreveram, “é possível alcançar a libertação real apenas no mundo real e por meios reais”. [62] Compreendidos dessa maneira, a liberdade e o poder se tornam entrelaçados: Se poder é a capacidade básica de produzir efeitos pretendidos em alguém ou em algo mais, [63] então um aumento em nossa capacidade de realizar nossos desejos é simultaneamente um aumento em nossa liberdade – quanto mais capacidade temos para agir, mais livres somos. Uma das maiores acusações ao capitalismo é que ele permite a liberdade de agir apenas para um número minúsculo de pessoas. Um objetivo primário de um mundo pós-capitalista seria, portanto, maximizar a liberdade sintética, ou, em outras palavras, permitir o florescimento de toda a humanidade e a expansão de nossos horizontes coletivos. [64] Atingir esse objetivo envolve pelo menos três elementos diferentes: a provisão das necessidades básicas da vida, a expansão dos recursos sociais e o desenvolvimento das capacidades tecnológicas. [65] Em conjunto, estes elementos formam uma liberdade sintética que é construída ao invés de natural, uma conquista histórica coletiva ao invés do resultado de simplesmente “deixarmos as pessoas em paz”. A emancipação não é, portanto, sobre desligar do mundo e libertar uma alma livre, mas sim uma questão de construir e cultivar as ligações certas.

Em primeiro lugar, a liberdade sintética implica a provisão máxima dos recursos básicos necessários para uma vida significativa: coisas como renda, tempo, saúde e educação. Sem esses recursos, a maioria das pessoas é deixada formalmente (mas não realmente) livre. Compreendida dessa maneira, a crescente desigualdade global é revelada como uma disparidade igualmente enorme na liberdade. Um passo inicial para resolver isso é o objetivo social-democrata clássico de prover os bens comuns da sociedade, como saúde, moradia, assistência infantil, educação, transporte e acesso à internet. [66] A idéia liberal na qual essas necessidades básicas da vida seriam supostamente melhoradas pela liberdade de escolha no mercado [67] ignora o ônus real (financeiro e cognitivo) envolvido em se fazer tais escolhas. [68] Em um mundo de liberdade sintética, bens públicos de alta qualidade seriam fornecidos para nós, deixando-nos para seguirmos com nossas vidas, em vez de nos preocuparmos sobre qual prestador de cuidados de saúde deveríamos adotar. Além da imaginação social-democrata, no entanto, existem dois outros fundamentos da existência: o tempo e o dinheiro. O tempo livre é a condição básica para a autodeterminação e o desenvolvimento de nossas capacidades. [69] Igualmente, a liberdade sintética exige a provisão de uma renda básica para todos, a fim de que sejam totalmente livres. [70]  Essa política não apenas forneceria os recursos monetários para viver sob o capitalismo, mas também possibilitaria um aumento no tempo livre; Isso nos daria a capacidade de escolhermos nossas vidas: poderíamos experimentar e construir vidas não convencionais, optando por promover nossas sensibilidades culturais, intelectuais e físicas, em vez de trabalhar cegamente para sobreviver. [71] O tempo e o dinheiro representam, portanto, componentes-chave da liberdade em qualquer sentido substantivo.

Uma imagem completa de liberdade sintética também deve buscar expandir nossas capacidades para além do que é atualmente possível. Se for para evitar o problema de manipular as pessoas para o contentamento com o status quo, a liberdade sintética deve estar aberta ao que as pessoas possam desejar – [72] ou seja, a liberdade não pode simplesmente ser equiparada a tornar as opções existentes viáveis, mas ao invés, deve estar aberta ao maior conjunto possível de opções. Nisto, os recursos coletivos são essenciais. [73] Processos de raciocínio social, por exemplo, podem permitir compreensões comuns de mundo, criando no processo um “nós” que tem poderes muito maiores para agir do que os indivíduos sozinhos. [74] Da mesma forma, a linguagem é efetivamente um andaime cognitivo que nos permite alavancar o pensamento simbólico para expandir nossos horizontes. [75] O desenvolvimento, o aprofundamento e a expansão do conhecimento nos permitem imaginar e alcançar capacidades que, de outra forma, seriam inatingíveis. Conforme adquirimos conhecimento técnico de nosso ambiente construído e conhecimento científico do mundo natural, e passamos a entender as tendências fluidas do mundo social, ganhamos maiores poderes para agir. Como Louis Althusser colocou,

“Assim como o conhecimento das leis da luz nunca impediu que os homens vissem … assim, o conhecimento das leis que governam o desenvolvimento das sociedades não impede os homens de viver ou tomam o lugar do trabalho, do amor e da luta. Pelo contrário: o conhecimento das leis da luz produziu os óculos que transformaram a visão dos homens, assim como o conhecimento das leis do desenvolvimento social deu origem a esforços que transformaram e ampliaram o horizonte da existência humana”. [76]

O anti-intelectualismo que permeia a direita política e que infecta cada vez mais a esquerda crítica é, portanto, um retrocesso da pior espécie. O ceticismo saudável é transformado em uma abdicação de nossos compromissos para expandir a liberdade. Esse retrocesso em relação ao conhecimento também ocorre nas fantasias de liberdades imediatas e irrestritas na prática. A imagem voluntarista que vê mediações, instituições e abstrações em oposição à liberdade simplesmente confunde a ausência de artifício com a plena expressão da liberdade. Nem seria preciso dizer que isso é desorientado. A ação coletiva, com sua expansão de liberdade sintética, na maioria das vezes é realizada através de divisões complexas de trabalho, cadeias mediadas de envolvimento e estruturas institucionais abstratas. O aspecto social da liberdade sintética não é, portanto, um retorno a algum desejo humano por uma sociabilidade face-a-face e uma simples cooperação, mas sim um apelo à autodeterminação coletiva, complexa e mediada.

Finalmente, se quisermos expandir nossas capacidades para agir, o desenvolvimento da tecnologia precisa desempenhar um papel central. Como sempre foi o caso, “a tecnologia é a fonte de nossas opções [e] opções são a base de um futuro que nos mantenha acima do nível de peão”. [77] Nosso nível de liberdade é altamente dependente das condições históricas do desenvolvimento científico e tecnológico. [78] Os artifícios que emergem desses campos expandem as capacidades existentes para a ação e criam outras capacidades inteiramente novas durante o processo. O pleno desenvolvimento da liberdade sintética requer, portanto, uma reconfiguração do mundo material de acordo com o impulso para expandir nossas capacidades de ação; exige experimentação com aprimoramentos coletivos e tecnológicos, e um espírito que se recusa a aceitar qualquer barreira como natural e inevitável. [79] Aprimoramentos ciborgues, vida artificial, biologia sintética e reprodução tecnologicamente mediada são todos exemplos dessa elaboração. [80] O objetivo geral deve, assim, ser apontado como um projeto incansável para desvincular as necessidades deste mundo e transformá-las em materiais para a futura construção de liberdade. [81] Tal imagem de emancipação nunca pode ser satisfeita ou condensada em uma sociedade estática, mas, ao contrário, continuamente se estenderá para além de quaisquer limitações. A liberdade é um empreendimento sintético, não um presente natural.

Subjacente a essa ideia de emancipação está uma visão da humanidade como uma hipótese transformadora e construtível: uma que é construída através da experimentação e elaboração teórica e prática. [82] Não há essência humana autêntica a ser realizada, nenhuma unidade harmoniosa a ser devolvida, nenhuma humanidade não-alienada obscurecida por falsas mediações, nenhuma integridade orgânica a ser alcançada. A alienação é um modo de capacitação, e a humanidade é um vetor incompleto de transformação. O que somos e o que podemos nos tornar são projetos abertos a serem construídos ao longo do tempo. Como Sadie Plant coloca,

“Tem sido sempre problemático falar sobre a libertação das mulheres porque isso pressupõe que sabemos o que as mulheres são. Se tanto as mulheres como os homens foram organizados nas formas que adotamos atualmente, então não queremos libertar o que somos agora, se você entende o que quero dizer … Não é tanto uma questão de libertação, mas mais uma questão de evolução – ou de engenharia. Há uma reengenharia gradual do que pode ser “ser uma mulher” e ainda não sabemos o que é. Temos que descobrir.” [83]

O que precisa, portanto, ser articulado é um humanismo que não seja definido de antemão. Este é um projeto de auto-realização, mas sem um ponto final pré-estabelecido. [84] É somente realizando o processo de revisão e de construção que a humanidade pode chegar a conhecer a si mesma. Isso significa revisar o humano tanto na teoria quanto na prática, envolver-se em novos modos de ser e novas formas de socialidade como ramificações práticas de se tornar explícito o “humano”. [85] É empreender uma abordagem intervencionista do humano, que se opõe aos humanismos que protegem uma imagem paroquial do humano a todo custo. [86] Essas intervenções vão desde a experimentação corporal individual até as mobilizações políticas coletivas contra imagens restritas do humano, e tudo o que existe entre elas. [87] Significa libertar-nos da imagem econômica decrépita da humanidade que a modernidade capitalista instalou e inventar uma nova humanidade. Emancipação, sob essa visão, significaria portanto aumentar a capacidade da humanidade de agir de acordo com quaisquer que possam se tornar seus desejos; e a emancipação universal seria a extensão insistente e máxima desse objetivo para a totalidade de nossa espécie. É nesse sentido que a emancipação universal está no coração de uma esquerda moderna. [88]

Já vimos que, sem uma concepção do futuro, a esquerda se limita à defesa da tradição e à proteção de bunkers de resistência. Como seria então uma modernidade de esquerda? Seria uma que oferecesse visões sedutoras e expansivas de um futuro melhor; ela operaria com um horizonte universal, mobilizaria um conceito substancial de liberdade e utilizaria as tecnologias mais avançadas para atingir seus objetivos emancipatórios. Em vez de uma visão eurocêntrica do futuro, ela contaria com um conjunto global de vozes articulando e negociando na prática o que um futuro comum e plural pode ser. Operando através de revoltas de escravos, lutas operárias, revoltas anticoloniais ou movimentos de mulheres, os críticos dos universalismos sedimentados sempre têm sido agentes essenciais na construção do futuro pela modernidade; são eles quem tem continuamente revisado, se revoltado e criado um “universalismo a partir de baixo”. [89] Contudo, para permitir verdadeiramente a libertação de futuros no plural, a atual ordem global, baseada no trabalho assalariado e na acumulação capitalista, terá de ser transcendida primeiro. Uma modernidade de esquerda, em outras palavras, requer a construção de uma plataforma pós-capitalista e pós-trabalho sobre a qual múltiplos modos de vida possam emergir e florescer. Os próximos dois capítulos delinearão a necessidade e a conveniência dessa visão particular do futuro. [90]

Notas

[1] Como já indicado no início do artigo, este artigo é o capítulo 4 do livro de Nick Srnicek e Alex Williams, ‘Inventing the Future: Postcapitalism and a World Without Work’ (“Inventando o Futuro: Pós-Capitalismo e um Mundo Sem Trabalho”), “Left Modernity”. A menção ao ponto de virada indica que os capítulos anteriores do livro vinham buscando identificar problemas nas formas de pensar e de atuar das Esquerdas em suas lutas e as razões do sucesso da direita na imposição de suas reformas e maneiras de ver o mundo nas últimas décadas, com o objetivo de identificar lições que podemos adotar para a construção de um movimento que possa garantir à Esquerda o futuro. À partir deste capítulo, o livro passa a explorar ideias de propostas nesse sentido, uma “rota de fuga” à partir do presente. [N.M.]

[2] O capítulo 7 do livro, “A New Common Sense” [“Um Novo Senso Comum”] sobre a “construção de uma força populista e hegemônica” ainda não está disponível em português (apesar de pretendermos disponibilizá-lo em breve), mas o capítulo 6, sobre a mobilização por um futuro pós-trabalho, pode ser lido aqui. Para mais textos sobre a questão do Pós-Trabalho, ver a sessão “Emprego, Falta de Tempo Livre e Realização Humana”, na nossa coletânea sobre o capitalismo. [N.M.]

[3] Os capítulos 1 e 2 do livro, “Our Political Common Sense: Introducing Folk Politics” [“Nosso Senso Comum Político: Introdução à Folk-Política”] e “Why Aren’t We Winning? A Critique of Today’s Left” [“Por Que Não Estamos Vencendo? Uma Crítica à Esquerda Atual”] argumentam sobre como “folk-políticas de prefiguração, ação direta e de horizontalismo implacável conseguirão atingir isso”. Pretendemos disponibilizar esses capítulos em português em breve. [N.M.]

[4] Esse processo expansionista foi concebido de várias maneiras (não incompatíveis entre si) – por exemplo, através de desenvolvimento desigual e combinado, correções espaciais e ciclos de expansão de hegemonia. Em cada caso, porém, a natureza expansionista do universalismo capitalista é prontamente aparente. Veja, respectivamente, Neil Smith, ‘Uneven Development: Nature, Capital and the Production of Space’ [“Desenvolvimento Desigual: Natureza, Capital e a Produção do Espaço”] (Londres: Verso, 2010); David Harvey, Os Limites do Capital (Londres: Verso, 2006 [no Brasil, Boitempo, 2013]); Giovanni Arrighi, O Longo Século XX (Londres: Verso, 2009 [no Brasil, Editora Unesp]).

[5] Para uma longa defesa dessa afirmação, ver Vivek Chibber, ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’ [“Teoria Pós-Colonial e o Espectro do Capital”] (Londres: Verso, 2013), ¶ 9.4.

[6] Para textos sobre o neoliberalismo, ver a sessão “O Que É Neoliberalismo” em nossa coletânea sobre mercados, liberalismo econômico e neoliberalismo. [N.M.]

[7] “Pois é finalmente o universal … que fornece a única negação verdadeira dos universalismos estabelecidos”. François Jullien, ‘On the Universal: The Uniform, the Common and Dialogue Between Cultures’ [“Sobre o Universal: o Uniforme, o Comum e o Diálogo entre as Culturas”] (Cambridge: Polity, 2014), p. 90. [No Brasil, “O Diálogo Entre as Culturas – Do Universal ao Multiculturalismo”, Editora Zahar]

[8]figura em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão (p.ex.: obscura claridade, música silenciosa); paradoxismo.” [N.M.]

[9] “Social-Democracia”, “Keynesianismo”, “Estado de Bem-Estar Social”, “Liberalismo Embutido”: Esse consenso marcou o Capitalismo a partir do segundo Pós-Guerra, e ficou conhecido como sua “Era de Ouro”: foram vinte anos de crescimento ininterrupto nos países capitalistas centrais, praticamente sem crises, até meados dos anos 70 (mas os sinais de esgotamento do modelo já apareciam desde o final da década de 60). Nesses países o período ficou marcado pela melhora substancial das condições de vida e dos serviços públicos acessíveis a uma parte considerável dos trabalhadores, graças à força de pressão do sindicalismo e dos partidos social-democratas. Naquele momento pós-crise de 29, após o estabelecimento do keynesianismo como resposta à crise nos países desenvolvidos, de fato mesmo nos EUA e na Europa grande parte dos políticos e economistas aceitavam a necessidade de algum planejamento estatal, no mínimo orientando e regulando a atividade econômica privada, mas muitas vezes assumindo as próprias atividades diretamente através de estatais. Um dos mais conhecidos economistas estadunidenses da época, John Kenneth Galbraith, chegou a defender a tese “tecnocrática” de que o desenvolvimento das instituições tanto no Capitalismo quanto no mundo soviético caminhavam para se encontrar em um tipo de meio termo administrativo. Com a crise dos anos 70 e a incapacidade do keynesianismo de oferecer uma saída para a mesma, veio a resposta elitista e reacionária de recomposição do poder da classe capitalista através do Neoliberalismo É ainda celebrado no ideário de muita gente como um marco de como o Capitalismo poderia, sob regulação, gerar crescimento e ser “mais humano”. Ver “Nem Sempre Foi Assim“, de Frederico Mazzucchelli; “O Ponto de Ruptura da Social-Democracia”, de Peter Frase; e “Desabamento Contínuo: Neoliberalismo Como Estágio da Crise Capitalista, Rendição Social-Democrata, Revolta Popular Recente e as Aberturas à Esquerda“, de Robert Brenner. [N.M.]

[10] Mark Fisher e Jeremy Gilbert, ‘Reclaim Modernity: Beyond Markets, Beyond Machines’ [“Reivindicando a Modernidade: Para Além dos Mercados, Para Além das Máquinas”] (Londres: Compass, 2014), pp. 12–14. [Para mais textos sobre o histórico do avanço do Neoliberalismo desde Thatcher e Reagan, ver a sessão “Neoliberalismo – Passado, Presente, Futuro” em nossa coletânea sobre mercados, liberalismo econômico e neoliberalismo. – N.M.]

[11] Sandro Mezzadra, ‘How Many Histories of Labor? Towards a Theory of Postcolonial Capitalism’ [“Quantas Histórias do Trabalho? Rumo a Uma Teoria do Capitalismo Pós-Colonial”], European Institute for Progressive Cultural Policies, 2012.

[12] Mark Fisher, ‘Capitalist Realism: Is There No Alternative?’ [“Realismo Capitalista: Não Há Alternativa?”] (Winchester: Zero, 2009).

[13] Ver Rentismo: Um Futuro Automatizado de Abundância Bloqueada Pela Desigualdade” e “Exterminismo: ‘Solução Final’ Num Futuro Automatizado de Desigualdade e Escassez”, de Peter Frase; e “O Lamentável Declínio das Utopias Espaciais”, de Brianna Rennix. [N.M.]

[14] Ver Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância”, “Rentismo: Um Futuro Automatizado de Abundância Bloqueada Pela Desigualdade” e “Socialismo Como Futuro Automatizado em Resposta à Crise Ambiental”, de Peter Frase; ‘O Socialismo Vai Ser Chato?‘, de Danny Katch. [N.M.]

[15] Argumentos semelhantes também foram feitos sobre a pós-modernidade. Ver David Harvey, A Condição Pós-Moderna (Oxford: Wiley-Blackwell, 1991). [no Brasil, Edições Loyola]

[16] Peter Wagner, ‘Modernity: Understanding the Present’ [“Modernidade: Compreendendo o Presente”] (Cambridge: Polity, 2012), p. 23.

[17] Para um argumento semelhante em relação ao “desenvolvimento”, ver Kalyan Sanyal, ‘Rethinking Capitalist Development: Primitive Accumulation, Governmentality and Post-Colonial Capitalism’ [“Repensando o Desenvolvimento Capitalista: Acumulação Primitiva, a, Governabilidade e o Capitalismo Pós-Colonial”] (New Delhi: Routledge India, 2013), p. 92.

[18] Para dar uma ideia dessa variedade, Jameson esboça catorze propostas diferentes para o início da modernidade como período histórico. Fredric Jameson, ‘A Singular Modernity: Essay on the Ontology of the Present’ [“Uma Modernidade Singular: Ensaio sobre a Ontologia do Presente”] (Londres: Verso, 2002), p. 32.

[19] Ver Pelo menos o Capitalismo é Livre e Democrático, né de Erik Olin Wright; As Perspectivas da Liberdade, de David Harvey; O Mercado é Mesmo Bom? de Luis Felipe Miguel; e ‘Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro’ e ‘Como Matar Um Zumbi: Elaborando Estratégias Para o Fim do Neoliberalismo’, de Mark Fisher. [N.M.]

[20] Alberto Toscano, ‘Fanaticism: On the Uses of an Idea’ [“Fanatismo: Sobre os Usos de Uma Ideia”] (Londres: Verso, 2010); Frederick Cooper, ‘Decolonization and African Society: The Labor Question in French and British Africa’ [“Descolonização e Sociedade Africana: A Questão Trabalhista na África Francesa e Britânica”] (Cambridge: Cambridge University Press, 1996).

[21] Chibber, ‘Postcolonial Theory’ [“Teoria Pós-Colonial”], p. 233.

[22] Procuramos seguir Susan Buck-Morss quando ela escreve: “A rejeição do centrismo ocidental não coloca um tabu no uso das ferramentas do pensamento ocidental. Pelo contrário, isso liberta as ferramentas críticas do Iluminismo … para uma aplicação original e criativa.” Susan Buck-Morss, ‘Thinking Past Terror: Islamism and Critical Theory on the Left [“Repensando o Terror: Islamismo e a Teoria Crítica de Esquerda”] (Londres: Verso, 2003), p. 99.

[23] Wang Hui, ‘The End of the Revolution: China and the Limits of Modernity’ [“O Fim da Revolução: China e os Limites da Modernidade”] (Londres: Verso, 2011), pp. 69–70.

[24] Göran Therborn, ‘European Modernity and Beyond: The Trajectory of European Societies, 1945–2000’ [“Modernidade Europeia e Além: A Trajetória das Sociedades Europeias, 1945-2000”] (Londres: Sage, 1995), p. 4. [no original,”avant-garde“, traduzimos como “vanguarda” – N.M.]

[25] Jameson, ‘A Singular Modernity’ [“Uma Modernidade Singular”], p. 18.

[26] Corey Robin, ‘The Reactionary Mind: Conservatism from Edmund Burke to Sarah Palin’ [“A Mente Reacionária: Conservadorismo, de Edmund Burke até Sarah Palin”] (Nova Iorque: Oxford University Press, 2011).

[27] Simon Critchley, ‘Ideas for Modern Living: The Future’ [“Ideias Para a Vida Moderna: O Futuro”], Guardian, 21 de Novembro de 2010. 19. Kamran Matin, ‘Redeeming the Universal: Postcolonialism and the Inner Life of Eurocentrism’ [“Redimindo o Universal: Pós-Colonialismo e a Vida Interna do Eurocentrismo”], European Journal of International Relations

[28] 2 (2013), p. 354.

[29] Walt Whitman Rostow, ‘The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto’ [“Os Estágios do Crescimento Econômico: Um Manifesto Não-Comunista”] (Cambridge: Cambridge University Press, 1990).

[30] Walter Mignolo, ‘The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options’ [“O Lado Mais Sombrio da Modernidade Ocidental: Futuros Globais, Opções Des-Coloniais”] (Durham, NC: Duke University Press, 2011), pp. xxiv–xxv.

[31] S. N. Eisenstadt, ‘Multiple Modernities’ [“Modernidades Múltiplas”], Daedalus 129: 1 (2000), p. 1.

[32] Theodor Adorno e Max Horkheimer, “Dialética do Esclarecimento” (Londres: Verso, 1997); Zygmunt Bauman, “Modernidade e o Holocausto” (Cambridge: Polity, 1991).

[33] David Priestland, ‘The Red Flag: A History of Communism’ [“A Bandeira Vermelha: Uma História do Comunismo”] (Nova Iorque: Grove, 2009).

[34] Stephen Eric Bronner, ‘Reclaiming the Enlightenment: Toward a Politics of Radical Engagement’ [“Reivindicando o Iluminismo: Rumo a uma Política de Compromisso Radical”] (Nova Iorque: Columbia University Press, 2004), p. 28.

[35] Lyotard, “A Condição Pós-Moderna” (Manchester: Manchester University Press, 1984).

[36] Walter Mignolo e He Weihua, ‘The Prospect of Harmony and the Decolonial View of the World’ [“A Perspectiva de Harmonia e a Visão Descolonial do Mundo”], Marxism and Reality 4 (2012).

[37] Wagner, ‘Modernity’ [“Modernidade”] , p. 81.

[38] S. N. Eisenstadt, ‘Multiple Modernities’ [“Modernidades Múltiplas”],, Daedalus 129: 1 (2000).

[39] Para muitas reflexões contemporâneas sobre esse conceito, ver os debates reunidos em Alex Anievas, ed., ‘Marxism and World Politics: Contesting Global Capitalism’ [“Marxismo e Política Global: Contestando o Capitalismo Global”] (Londres: Routledge, 2012).

[40] Para uma genealogia filosófica-política-religiosa do universal, ver Jullien, ‘On the Universal’ [“Sobre o Universal”], Chapters 4–7.

[41] Deve ficar claro que a discussão do universal aqui está no interior de um registro político ao invés de filosófico.

[42] Étienne Balibar, ‘Sub Specie Universitatis’, Topoi 25: 1–2 (2006), p. 11.

[43] Em linhas gerais, podemos dividir essas críticas entre o descolonialismo latino-americano, os estudos subalternos do sul da Ásia e o pós-colonialismo africano, em que cada um modula a modernidade e o colonialismo através de sua história regional.

[44] Mignolo, ‘The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options’ [“O Lado Mais Sombrio da Modernidade Ocidental: Futuros Globais, Opções Des-Coloniais”].

[45] Ibid., capítulo 2; Ramón Grosfoguel, ‘Decolonizing Western Uni-Versalisms: Decolonial PluriVersalism from Aimé Césaire to the Zapatistas’ [“Descolonizando Universalismos Ocidentais: Pluriversalimo Descolonial, de Aimé Césaire até os Zapatistas”], tradução. George Ciccariello-Maher, em Transmodernity: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World 1: 3 (2012).

[46] Jullien, ‘On the Universal’ [“Sobre o Universal”], p. 92.

[47] Jullien argumenta que o pensamento islâmico possui um grau de normatividade universal ético-política, mas isso é, em qualquer caso, significativamente menos aparente do que aquele que emerge da modernidade européia e é qualificado pela prioridade dada à comunidade. (ibid., p. 74). John Hobson, ‘The Eastern Origins of Western Civilisation’ [“As Origens Orientais da Civilização Ocidental”] (Cambridge: Cambridge University Press, 2004); Amartya Sen, ‘East and West: The Reach of Reason’ [“Leste e Oeste: O Alcance da Razão”], New York Review of Books 47: 12 (2000).

[48] ‘O projeto de provincializar a Europa não pode… originar-se da postura de que a razão/ciência/universais que ajudam a definir a Europa como o moderno são simplesmente “específicos culturais” e, portanto, pertencem apenas às culturas europeias. [Esta] rejeição simples da modernidade seria, em muitas situações, politicamente suicida.’ Dipesh Chakrabarty, ‘Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference’ [“Provincializando a Europa: Pensamento Pós-Colonial e Diferença Histórica”] (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2007), pp. 43–5; Matin, ‘Redeeming the Universal’ [“Redimindo o Universal”], Duy Lap Nguyen, ‘The Universal Province of Modernity’ [“A Província Universal da Modernidade”], Interventions 16: 3 (2014), p. 447; Mignolo, ‘The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options’ [“O Lado Mais Sombrio da Modernidade Ocidental: Futuros Globais, Opções Des-Coloniais”], p. 275.

[49] Tem havido uma série de abordagens alternativas, apresentadas sob a luz das críticas do universalismo substancialista clássico. Nós não vamos elaborar sobre elas aqui, mas alguns comentários rápidos se fazem apropriados. O “universalismo negativo” fundamenta o universalismo numa oposição comum, mas esta continua sendo uma abordagem folk-política, defensiva e negativa; ela não elabora um futuro alternativo. O “universalismo mínimo” defende poucos princípios básicos comuns a todos, mas é simplesmente uma versão reduzida do universalismo clássico e permanece sujeito a todos os seus problemas. Finalmente, o “pluri-versalismo” é a perspectiva mais intrigante, e aquela com a qual mais nos alinhamos. Ele defende a autodeterminação das culturas num envolvimento horizontal mútuo. No entanto, ele exige três comentários rápidos. Em primeiro lugar, ele negligencia o meio de engajamento entre as culturas, o que, acreditamos, exige uma teoria sofisticada do uso da razão para evitar a dominação. (Veja o trabalho de Anthony Laden para um conceito não-dominador e coletivo de razão.) Em segundo lugar, ele corretamente se opõe a uma visão homogênea de universalismo, mas ignora maneiras pelas quais o universalismo já pode incorporar os tipos de diferenças que ele sublinha. O pluri-versalismo sugere muito facilmente a negligência do aspecto comum exigido em um mundo globalizado. A humanidade existe não apenas como modos de ser mutuamente exclusivos, mas, invés disso, como um conjunto de diferenças profundamente entrelaçadas. Em terceiro lugar, o pluri-versalismo reconhece que o universalismo capitalista precisa ser eliminado primeiro para que ele possa ter alguma chance; Até que isso ocorra, ele está limitado à resistência e gestos defensivos contra o capitalismo expansionista. O pluri-versalismo, portanto, depende da eliminação do capitalismo e de um projeto pós-capitalista contra-hegemônico como sua condição pressuposta para sua existência. O problema do universalismo – especialmente o universalismo realmente existente – não pode ser dispensado por decreto teórico. Grosfoguel, ‘Decolonizing Western Uni-Versalisms’ [“Descolonizando Universalismos Ocidentais], p. 101; Bhikhu Parekh, ‘Non-Ethnocentric Universalism’, em Tim Dunne e Nicholas J. Wheeler, eds, ‘Human Rights in Global Politics’ [“Direitos Humanos na Política Global”] (Cambridge: Cambridge University Press, 1999), pp. 128–59; Mignolo, ‘The Darker Side of Western Modernity’ [“O Lado Mais Sombrio da Modernidade Ocidental”], p. 275; Anthony Simon Laden, ‘Reasoning: A Social Picture’ [“Razão: Um Retrato Social”] (Oxford: Oxford University Press, 2014).

[50] Ernesto Laclau, ‘Identity and Hegemony: The Role of Universality in the Constitution of Political Logics’ [“Identidade e Hegemonia: O Papel da Universalidade na Constituição da Lógica Política”], em Judith Butler, Ernesto Laclau e Slavoj Žižek, eds, ‘Contingency, Hegemony and Universality: Contemporary Dialogues on the Left’ [“Contingência, Hegemonia e Universalidade: Diálogos Contemporâneos na Esquerda”] (Londres: Verso, 2011).

[51] No capítulo 7, “A New Common Sense” [“Um Novo Senso Comum”], que pretendemos publicar em português em breve. [N.M.]

[52] Nora Sternfeld, ‘Whose Universalism Is It?’ [‘Universalismo de Quem?’], tradução de Mary O’Neill, 2007, at eipcp.net; Jullien, ‘On the Universal’ [“Sobre o Universal”], p. 92.

[53] Butler, ‘Restaging the Universal: Hegemony and the Limits of Formalism’ [“Reapresentando o Universal: Hegemonia e os Limites do Formalismo”], in Butler et al., Contingency, Hegemony and Universality [“Contingência, Hegemonia e Universalidade”],  pp. 33.

[54] Stefan Jonsson, ‘The Ideology of Universalism’ [“A Ideologia do Universalismo”], New Left Review II/63 (Maio/Junho de 2010), p. 117.

[55] Matin, ‘Redeeming the Universal’ [“Redimindo o Universal”].

[56] Para o ponto de referência clássico sobre liberdade negativa, ver Isaiah Berlin, ‘Two Concepts of Liberty’ [“Dois Conceitos de Liberdade”], em Henry Hardy, ed., “Liberty” (Oxford: Oxford University Press, 2002).

[57] Ver “O Ano em Que O Capitalismo Realmente Mostrou a Que Veio”, de Jerome Roos. [N.M.]

[58] Milton Friedman, “Capitalism and Freedom: Fortieth Anniversary Edition” [“Capitalismo e Liberdade: Edição de Aniversário de 40 Anos”] (Chicago: University of Chicago Press, 2002), Capítulo 1.

[59] Friedrich Hayek, “The Constitution of Liberty” [“A Constituição da Liberdade”] (Londres: Routledge, 2006).

[60] Isso possui sobreposições com a distinção de Philippe van Parijs (assim como de muitos outros teóricos) entre liberdade formal e real, mas a noção de liberdade “sintética” destaca que ela não é um aspecto natural da humanidade, mas algo construído. Ver Philippe Van Parijs, “Real Freedom for All: What (If Anything) Can Justify Capitalism?” [“Liberdade Real Para Todos: O Que Poderia Justificar o Capitalismo (Se é Que Isso é Possível)?”] (Oxford: Oxford University Press, 1997), pp. 21–4.

[61] Daniel Raventós, “Basic Income: The Material Conditions of Freedom” [“Renda Básica: As Condições Materiais da Liberdade”], tradução de Julie Wark (Londres: Pluto, 2007), p. 68; Mignolo, ‘The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options’ [“O Lado Mais Sombrio da Modernidade Ocidental: Futuros Globais, Opções Des-Coloniais”], pp. 300–1.

[62] Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã (Londres: Prometheus, 1976), p. 44. [edição inglesa]

[63] Steven Lukes, “Power: A Radical View” [“Poder: Uma Visão Radical”], 2 ed. (Houndmills: Palgrave Macmillan, 2005), p. 65.

[64] Como Erik Olin Wright coloca, ‘A ideia de “florescer” inclui não apenas o desenvolvimento das capacidades intelectuais, psicológicas e sociais humanas durante a infância, mas também a oportunidade de exercitar essas capacidades ao longo da vida e de desenvolver novas capacidades à medida que as circunstâncias da vida mudam.’ Erik Olin Wright, “Envisioning Real Utopias” [“Vislumbrando Utopias Reais”] (Londres: Verso, 2010), pp. 47–8.

[65] Não há uma ordem estrita de preferência para esses três elementos, embora o restante deste livro se concentre predominantemente no primeiro.

[66] Alex Gourevitch, ‘Labor Republicanism and the Transformation of Work’ [“Republicanismo Trabalhista e a Transformação do Trabalho”], Political Theory 41: 4 (2013), p. 597.

[67] ver  O Mercado é Mesmo Bom? de Luis Felipe Miguel;  As Perspectivas da Liberdade, de David Harvey;Socialismo, Transformando “Miséria Histérica” em “Tristeza Qualquer””, de Corey Robin. Para mais textos, ver a sessão “Concepção de Mundo Neoliberal – Ideias e Contradições”, em nossa coletânea sobre mercados, liberalismo econômico e neoliberalismo. [N.M.]

[68] Slavoj Žižek, ‘Utopia and Its Discontents’ [“Utopia e os Seus Descontentes”], entrevista com Slawomir Sierakowski, 23 de Fevereiro de 2015.

[69] Karl Marx, ‘Wage-Labour and Capital & Value, Price and Profit’ [aparentemente uma edição única incluindo “Trabalho Assalariado e Capital” e “Salário, Preço e Lucro”]  (Nova Iorque: International Publishers, 1976), p. 54 [edição estadunidense]; Grundrisse: Introdução à Crítica da Economia Política, tradução inglesa de Martin Nicolaus (Middlesex: Penguin, 1973), p. 706 [edição inglesa]; e O Capital: Crítica da Economia Política, Volume III (Londres: Lawrence & Wishart, 1977), p. 820 [edição inglesa].

[70] Há um defesa republicana alternativa dessa posição, que argumenta corretamente que o trabalho assalariado envolve dominação (como distinta da interferência), e que apenas a provisão dos meios básicos de existência nos permitiria superar essa dominação. Essa tradição tem uma longa linha de pensadores associados a ela, de Aristóteles a Robespierre, aos militantes trabalhistas do século XIX. Embora aqui não nos apoiaremos nisso para dar suporte ao argumento em favor de uma sociedade pós-trabalho, não obstante, essa linha de reflexão apresenta importantes contribuições para além das concepções liberais de liberdade. Ver Raventós, “Basic Income” [“Renda Básica”], Capítulo 3; Gourevitch, ‘Labor Republicanism and the Transformation of Work’ [“Republicanismo Trabalhista e a Transformação do Trabalho”], pp. 593–8.

[71] Antonella Corsani, ‘Beyond the Myth of Woman: The Becoming-Transfeminist of (Post-)Marxism’ [“Para Além do Mito da Mulher: O Tornar-se Transfeminista do (Pós-)Marxismo”], tradução [em inglês] de Timothy S. Murphy, SubStance 36: 1 (2007), p. 127.

[72] Para mais sobre esse argumento, ver Parijs, “Real Freedom for All” [“Liberdade Real Para Todos”] , pp. 17–20.

[73] Isso possui similaridades com as ideias de “poder-com” e “poder-para”. Ver Uri Gordon, “Anarchy Alive! Anti-Authoritarian Politics from Practice to Theory” [“Anarquia Viva! Política Anti-Autoritária, da Prática Para a Teoria”] (Londres: Pluto Press, 2007), pp. 54–5; John Holloway, “Change the World Without Taking Power: The Meaning of Revolution Today” [“Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder: O Significado de Revolução, Hoje”] (Londres/Sterling, VA: Pluto, 2002), p. 28.

[74] Laden, ‘Reasoning’ [“Razão”], pp. 14–23; Gordon, “Anarchy Alive!” [“Anarquia Viva!”] , p. 54.

[75] Para a noção da linguagem como “andaime cognitivo”, ver Andy Clark, “Supersizing the Mind: Embodiment, Action, and Cognitive Extension” [“Mente Tamanho-Família: Incorporação, Ação e Extensão Cognitiva”] (Nova Iorque: Oxford University Press, 2008), Chapter 3.

[76] Citado em Gregory Elliott, “Althusser: The Detour of Theory” [“Althusser: O Desvio da Teoria”] (Leiden: Brill, 2006), p. 16.

[77] Krafft Ehricke, ‘The Extraterrestrial Imperative’ [“O Imperativo Extra-Terrestre”], Air University Review, Fevereiro de 1978.

[78] Marx e Engels, A Ideologia Alemã, p. 44. [edição inglesa]

[79] Para uma defesa desse espírito prometéico, ver Ray Brassier, ‘Prometheanism and Its Critics’ [“Prometeanismo e Seus Críticos”], em Robin Mackay e Armen Avanessian, eds, “#Accelerate: The Accelerationist Reader” [“#Acelera: O Leitor Aceleracionista”] (Falmouth: Urbanomic, 2014).

[80] Para uma interpretação mais antiga e historicizada de nossa natureza ciborgue,ver Donna Haraway, ‘A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century’ [“Um Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e Feminismo Socialista em Fins do Século XX”], em “Simians, Cyborgs and Women: The Reinvention of Nature” [“Símios, Ciborgues e Mulheres: A Reinvenção da Natureza”] (Londres: Free Association Books, 1991). Para uma atualização contemporânea, ver o “Laboria Cuboniks manifesto” [“Manifesto Laboria Cuboniks”] em Helen Hester e Armen Avanessian, eds, Dea Ex Machina (Berlin: Merve Verlag, 2015).

[81] Benedict Singleton, ‘Maximum Jailbreak’ [“Máxima Fuga da Prisão”], em Mackay e Avanessian, “#Accelerate” [“#Acelera”].

[82] Alfred Schmidt, ‘The Concept of Nature in Marx’ [“O Conceito de Natureza em Marx”] (Londres: Verso, 2014), pp. 144–5.

[83] Sadie Plant, ‘Binary Sexes, Binary Codes’ [“Sexos Binários, Códigos Binários”], 3 de Junho de 1996.

[84] Reza Negarestani, ‘The Labor of the Inhuman’ [“O Trabalho do Inumano”], em Mackay e Avanessian, “#Accelerate” [“#Acelera”], 452.

[85] Ibid., p. 438.

[86] Para exemplos dessas defesas paroquiais, ver Jürgen Habermas, ‘The Future of Human Nature’ [“O Futuro da Natureza Humana”] (Cambridge: Polity, 2003); Francis Fukuyama, ‘Our Posthuman Future: Consequences of the Biotechnology Revolution’ [“Nosso Futuro Pós-Humano: Consequências e a Revolução Biotecnológica”] (Londres: Profile, 2003).

[87] Para dois relatos fascinantes sobre experimentação corporal, ver Shannon Bell, ‘Fast Feminism’ [“Feminismo Veloz”] (Nova Iorque: Autonomedia, 2010); e Beatriz Preciado, ‘Testo Junkie: Sex, Drugs and Biopolitics in the Pharmacopornographic Era’ [“Testo Junkie: Sexo, Drogas e Biopolítica na Era Farmacopornográfica”] (Nova Iorque: Feminist Press CUNY, 2013).

[88] O restante deste livro tratará principalmente dos dois primeiros aspectos da liberdade sintética: as condições básicas de existência e as capacidades coletivas para agir. No entanto, retornaremos à questão do aprimoramento tecnológico da humanidade no capítulo de conclusão.

[89] Susan Buck-Morss, ‘Hegel, Haiti, and Universal History’ [“Hegel, Haiti e a História Universal”] (Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2009), p. 106.

[90] Pretendemos disponibilizar em breve o capítulo 5, “The Future Isn’t Working” [“O Futuro Não Está Funcionando”]; já o capítulo 6, “Post-Work Imaginaries” [“Imaginários do Pós-Trabalho”] já está disponível aqui. [N.M.]


Leituras Relacionadas

  • Imaginários do Pós-Trabalho: Automação Completa, Renda Básica, Jornada de Trabalho e Ética do Emprego [Nick Srnicek e Alex Williams] – “objetivo do futuro é o pleno desemprego, para que possamos aproveitar. É por isso que temos de destruir o atual sistema político-econômico
  • A Gente Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim [Peter Frase] – “Entre os séculos XIX e XX os trabalhadores conquistaram o dia de trabalho de 10 horas e então o de 8 horas, mas depois da Grande Depressão a tendência parou. Do que precisaríamos para recuperar nosso tempo livre?”
  • Rumo a Uma Sociedade Pós-Trabalho [David Frayne] – A ‘Política do Tempo’ oferece uma resposta à atual crise do trabalho, nos convidando a falar sobre as condições para a liberdade e o tipo de sociedade em que queremos viver. É uma oportunidade para finalmente cumprir a promessa original do desenvolvimento produtivo do capitalismo: nos permitir desfrutar coletivamente de mais tempo livre, para explorar essas aptidões e aspectos de nós mesmos que muitas vezes ficam marginalizados em um mundo centrado no trabalho. “Precisamos tomar de volta o futuro das mãos do capitalismo e construir, nós mesmos, o mundo do século XXI que queremos.”
  • Políticas Para Se ‘Arranjar Uma Vida’ [Peter Frase] – “O trabalho em uma sociedade capitalista é um fenômeno conflituoso e contraditório. Uma política para a classe trabalhadora tem de ser contra o trabalho, apelando para o prazer e o desejo, ao invés de sacrifício e auto-negação.
  • Renda Básica e o Futuro do Trabalho [David Raventós e Julie Wark] – “Não existe algo como a ‘dignidade do trabalho’. Não é o direito ao emprego, mas a uma existência material garantida que dá dignidade à vida humana.”
  • Viver, Não Apenas Sobreviver – [Alyssa Battistoni] “Os movimentos da classe trabalhadora devem colocar a reprodução social e ecológica no coração de sua visão do futuro.
  • Quatro Futuros: Vida Após o Capitalismo – [Peter Frase] “Crise climática”, “mudanças ambientais”, “robôs inteligentes”, “robôs tomando empregos”: os impactos da Crise Climática e de novas tecnologias de Automação de postos de trabalho para o nosso futuro comum vêm sendo cada vez mais discutidos. Se os avanços tecnológicos da “Quarta Revolução Industrial” (em especial em campos como Inteligência Artificial, Robótica avançada, fabricação aditiva, etc) forem o suficiente para automatizarmos a maior parte das atividades que hoje são empregos, reduzindo a um mínimo a necessidade de trabalho humano, a produção de mercadorias através de trabalho assalariado estará superada – e, portanto, estaremos falando do fim do Capitalismo; a questão então é o que virá depois. Será que a possibilidade de toda essa automação é o bastante para garantir que ela vai ocorrer? Qual seria o impacto disso sobre as vidas das pessoas? Como as questões ambientais/climáticas entram nesse quadro? E as relações de propriedade e produção capitalistas e a Política, especificamente a Luta de Classes? Que tipo de cenários podemos esperar à partir do fim do Capitalismo?
    • Tecnologia e Ecologia Como Apocalipse e Utopia [Quatro Futuros – Introdução] – [Peter Frase] “Muito se tem falado sobre os impactos da Crise Climática e de novas tecnologias de Automação de postos de trabalho para o nosso futuro em comum. Como as relações de propriedade e produção capitalistas e a Política, especificamente a Luta de Classes, se encaixam neste quadro? Será que a possibilidade de automação quase generalizada seria o bastante para garantir que ela ocorrerá? Qual seria o impacto dela sobre as condições de vida das pessoas? Com base nesses elementos, que tipo de cenários podemos esperar à partir do fim do Capitalismo?”
    • Comunismo Como Futuro Automatizado de Igualdade e Abundância[Quatro Futuros – Cap. 1 – Comunismo: Igualdade e Abundância] – [Peter Frase] “Um mundo em que a tecnologia tenha superado ou reduzido a um mínimo (e de forma sustentável) a necessidade de trabalho humano; em que esse potencial seja compartilhado com todos, eliminando a exploração e a alienação das relações de trabalho assalariado; onde as hierarquias derivadas do Capital tenham sido suplantadas por um modelo mais igualitário, agora capaz não só de sanar as necessidades de todos, mas de permitir o livre desenvolvimento de cada um, parece para muitos como um sonho de utopia inalcançável e ingênuo, onde não existiriam quaisquer conflitos ou hierarquias. Será mesmo?
    • Rentismo: Um Futuro Automatizado de Abundância Bloqueada Pela Desigualdade [Quatro Futuros – Cap. 2 – Rentismo: Hierarquia e Abundância] – [Peter Frase] Na penúltima parte da série sobre possíveis futuros após o fim do Capitalismo, – com o fim do uso de trabalho humano assalariado na produção de mercadorias, extrapolando as tendências atuais de aplicação de tecnologias como Inteligência Artificial, Robótica, Fabricação Aditiva, Nanotecnologia, etc – encaramos uma distopia em que as elites do sistema capitalista atual têm sucesso em manter seus privilégios e poderes, usando patentes e direitos autorais para bloquear e restringir para si o que poderia ser o livre-acesso universal à abundância possibilitada pelas conquistas do conhecimento humano num cenário em que a própria escassez poderia ser deixada para trás.
    • Socialismo Como Futuro Automatizado e Igualitário em Resposta à Crise Ambiental [Quatro Futuros – Cap. 3 – Socialismo: Igualdade e Escassez]– [Peter Frase] Se os avanços tecnológicos da Quarta Revolução Industrial (em campos como Inteligência Artificial, Robótica avançada, fabricação aditiva, etc) forem o suficiente para automatizarmos a maior parte dos empregos, reduzindo a um mínimo a necessidade de trabalho humano, a produção de mercadorias através de trabalho assalariado estará superada – e, portanto, também o capitalismo. Se isso for alcançado em uma sociedade mais igualitária, democrática, sustentável e racional, ainda assim é possível que teremos de nos organizar para lidar com o estrago deixado no planeta pelo sistema capitalista, planejando, executando e administrando  projetos gigantescos de reconstrução, geo-engenharia e racionamento de recursos limitados. Em outras palavras, provavelmente ainda precisaremos de algum tipo de Estado.
    • Exterminismo: ‘Solução Final’ Num Futuro Automatizado de Desigualdade e Escassez [Quatro Futuros – Cap. 4 – Exterminismo: Hierarquia e Escassez] – [Peter Frase] A cada semana somos bombardeados por notícias sobre avanços tecnológicos assombrosos, que prometem diminuir, e muito, a necessidade de trabalho humano nas mais diversas atividades. De fato, podemos imaginar que em algum momento no futuro teremos a necessidade de muito pouco trabalho humano na produção de mercadorias. Mas e se chegarmos nesse ponto ainda divididos entre podres de ricos e “a ralé”? E se os recursos naturais de energia e de matérias-primas não forem o bastante para garantir uma vida luxuriante para todos? E se, do ponto de vista dos abastados, os ex-trabalhadores passarem a representar apenas um “peso inútil”, ou até mesmo, um risco “desnecessário”? No último capítulo sobre possíveis futuros automatizados com o fim do Capitalismo, somos confrontados por uma distopia de desigualdade e crueldade cujas raízes já podemos notar em muitas tendências atuais.
    • Quatro Futuros [artigo original de 2011] – [Peter Frase] Uma coisa de que podemos ter certeza é que o Capitalismo vai acabar; a questão, então, é o que virá depois.
  • Comunismo Verde Totalmente Automatizado – [Aaron Bastani] [O desafio das mudanças climáticas precisa de uma resposta à altura, que reconheça a sua dimensão, amplitude e a necessidade de mudanças profundas em nossas tecnologias, relações de produção, relações com a natureza, em nosso dia-a-dia e em nossas visões de mundo. Felizmente, depois de décadas de dominação quase absoluta do “realismo capitalista” e de suas propostas vazias de respostas à crise climática via mercado, vai se abrindo o espaço para uma proposta “populista” pela construção de uma alternativa radical que abrace a expansão e a democratização das tecnologias de energias renováveis, robótica fina, inteligência artificial, e produção aditiva como um projeto político a ser disputado, para a construção de uma sociedade focada na sustentabilidade e na socialização da abundância, do lazer, do bem-estar e da maior disponibilidade de tempo para as mais diversas atividades.]
  • Lingirie Egípcia e o Futuro Robô [Peter Frase] – O pânico sobre automação erra o alvo – o verdadeiro problema é que os próprios trabalhadores são tratados feito máquinas.”
  • Inovação Vermelha [Tony Smith] – “Longe de sufocar a inovação, uma sociedade Socialista colocaria o progresso tecnológico a serviço das pessoas comuns.”
  • Todo Poder aos “Espaços de Fazedores” [Guy Rundle] – “A impressão 3-D em sua forma atual pode ser um retorno às obrigações enfadonhas do movimento “pequeno é belo”, mas tem o potencial para fazer muito mais.
  • A Revolução Cybersyn [Eden Medina] – Cinco lições de um projeto de computação socialista no Chile de Salvador Allende.
  • Planejando o Bom Antropoceno – [Leigh Phillips e Michal Rozworski] O mercado está nos levando cegamente a uma calamidade climática – o planejamento democrático é uma saída.
  • Socialismo, Mercado, Planejamento e Democracia [Seth Ackerman, John Quiggin, Tyler Zimmer, Jeff Moniker, Matthijs Krul, HumanaEsfera] – “O socialismo promete a emancipação humana, com o alargamento da democracia e da racionalidade para a produção e distribuição de bens e serviços e o uso da tecnologia acumulada pela humanidade para a redução a um mínimo do trabalho necessário por cada pessoa, liberando seu tempo para o seu livre desenvolvimento. Como organizar uma economia socialista para realizar essas promessas?”
  • Elon Musk Não é O Futuro [Paris Marx] – “Os dirigentes das grandes empresas de tecnologia estão nessa apenas por eles mesmos, não pelo bem público.
  • Bill Gates Não Vai Nos Salvar [E Nem Elon Musk] – [Ben Tarnoff] Quando se trata de tecnologia verde, apenas o Estado pode fazer o que o Vale do Silício não pode.
  • O Lamentável Declínio das Utopias Espaciais [Brianna Rennix] – “Narrativas ficcionais são um fator enorme moldando nossas expectativas do que é possível. Infelizmente, utopias estão atualmente fora de moda, como a tediosa proliferação de ficção distópica e filmes de desastre parece indicar. Por que só “libertarianos” fantasiam sobre o espaço hoje em dia?”
  • Obsolescência Planejada: Armadilha Silenciosa na Sociedade de Consumo[Valquíria Padilha e Renata Cristina A. Bonifácio] – O crescimento pelo crescimento é irracional. Precisamos descolonizar nossos pensamentos construídos com base nessa irracionalidade para abrirmos a mente e sairmos do torpor que nos impede de agir
  • O Mito do Antropoceno [Andreas Malm] – Culpar toda a Humanidade pela mudança climática deixa o Capitalismo sair ileso.
  • Precisamos Dominá-la [Peter Frase] – “Nosso desafio é ver na tecnologia tanto os atuais instrumentos de controle dos empregadores quanto as precondições para uma sociedade pós-escassez.
  • Tecnologia e Estratégia Socialista [Paul Heidmann] – “Com poderosos movimentos de classe em sua retaguarda, a tecnologia pode prometer a emancipação do trabalho, ao invés de mais miséria.
  • O Socialismo Vai Ser Chato? – “O Socialismo não é sobre induzir uma branda mediocridade. É sobre libertar o potencial criativo de todos.
  • Os Robôs Vão Tomar Seu Emprego? [Nick Srnicek e Alex Williams] – “Com a automação causando ou não uma devastação nos empregos, o futuro do trabalho sob o capitalismo parece cada vez mais sombrio. Precisamos agora olhar para horizontes pós-trabalho.”
  • Robôs e Inteligência Artificial: Utopia ou Distopia? [Michael Roberts] – “Diz muito sobre o momento atual que enquanto encaramos um futuro que pode se assemelhar ou com uma distopia hiper-capitalista ou com um paraíso socialista, a segunda opção não seja nem mencionada.”
  • Robôs, Crescimento e Desigualdade – Mesmo uma instituição como o FMIvem notando as tendências que a automação de empregos devem gerar nas próximas décadas, incluindo um crescimento vertiginoso da desigualdade social, e a necessidade de compartilhar a abundância prometida por essas inovações.
  • Automação e o ‘Fim do Trabalho’ na Mídia Internacional Dominante 
  • Votando Sob o Socialismo – [Peter Frase] Vai ser mais significativo – mas esperamos que não envolva assembleias sem-fim.
  • Democratizar Isso [Michal Rozworski] – “Os planos do Partido Trabalhista inglês para buscar modelos democráticos de propriedade são o aspecto mais radical do programa de Corbyn, e um dos mais radicais que temos visto na política dominante em muito tempo.”
  • Economia e Planejamento Soviéticos e as Lições na Queda – [Paul Cockshott e Allin Cottrel] “Desde os anos 90 temos sido bombardeados por relatos sobre como a queda da União Soviética seria uma prova definitiva da impossibilidade de qualquer forma de Economia Planejada racionalmente, de qualquer forma de Economia Socialista, de qualquer forma de Socialismo – e de que não existiria alternativa para organizar a produção e o consumo das sociedades humanas a não ser o Capitalismo de Livre-Mercado. Será mesmo?
  • Vivo Sob o Sol [Alyssa Battistoni] – “Não há caminho rumo a um futuro sustentável sem lidar com as velhas pedras no caminho do ambientalismo: consumo e empregos. E a maneira de fazer isso é através de uma Renda Básica Universal. “
  • Um Mundo Socialista Não Significaria Só Uma Crise Ambiental Maior Ainda? [Alyssa Battistoni] – “Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de recursos democraticamente, levando em consideração necessidades e valores humanos, ao invés da maximização dos lucros.
  • Rumo a um Socialismo Ciborgue [Alyssa Battistoni] – “A Esquerda precisa de mais vozes e de críticas mais afiadas que coloquem nossa análise do poder e de justiça no centro das discussões ambientais, onde elas devem estar.”
  • A Fantasia do Livre-Mercado [Nicole M. Aschoff] – “Designar o mercado como ‘natural’ e o Estado como ‘antinatural’ é uma ficção conveniente para aqueles casados com o status quo. O “capitalismo consciente”, embora atraente em alguns aspectos, não é uma solução para a degradação ambiental e social que acompanha o sistema de produção voltado ao lucro. A sociedade precisa decidir em que tipo de mundo deseja viver, e essas decisões devem ser tomadas por meio de estruturas e processos democráticos.”
  • O Ano em Que o Capitalismo Real Mostrou a Que Veio – [Jerome Roós] “Tudo que nós um dia deveríamos temer sobre o socialismo — desde repressão estatal e vigilância em massa até padrões de vida em queda — aconteceu diante de nossos olhos
  • Bill Gates, Socialista? [Leigh Phillips] – “Bill Gates está certo: o setor privado está sufocando a inovação em energias limpas. Mas esse não é o único lugar em que o Capitalismo está nos limitando.
  • Os Ricos Não Merecem Ficar Com a Maior Parte do Seu Dinheiro? – “A riqueza é criada socialmente – a redistribuição apenas permite que mais pessoas aproveitem os frutos do seu trabalho.”
  • Contando Com os Bilionários [Japhy Wilson] – Filantropo-capitalistas como George Soros querem que acreditemos que eles podem remediar a miséria econômica que eles mesmos criam.
  • A Sociedade do Smartphone [Nicole M. Aschoff] – “Assim como o automóvel definiu o Século XX, o Smartphone está reformulando como nós vivemos e trabalhamos hoje em dia.”
  • Bill Gates e os 4 Bilhões na Pobreza [Michael Roberts] – “A pobreza global está caindo ou crescendo? Sabe-se que a desigualdade global vem aumentando rapidamente nas últimas décadas, mas muitos defensores do capitalismo se apressam para nos afirmar que, apesar disso, nunca estivemos melhor. Será mesmo?
  • Uma Economia Para os 99% – relatório da Oxfam apresentando dados sobre a situação atual das desigualdades sociais; os mecanismos que as vêm reproduzindo e aprofundando mundo à fora; sobre como isso destrói qualquer possibilidade de democracia; e sobre possíveis medidas para superar esta situação;
  • Pikettyismos [Ladislau Dowbor] – “O livro de Thomas Piketty [documentando toda a trajetória da desigualdade no mundo desenvolvido desde o século XIX e provando que ela vem crescendo rapidamente nas últimas décadas, desde a virada para o Neoliberalismo] está nos fazendo refletir, não só na esquerda, mas em todo o espectro político. Cada um, naturalmente, digere os argumentos, e em particular a arquitetura teórica do volume, à sua maneira.”
  • ABCs do Socialismo
  • Por Que Socialismo? – Albert Einstein explica, de maneira clara e objetiva, os problemas fundamentais que enxerga na sociedade capitalista e porque uma sociedade socialista poderia ser o caminho para superá-los.
  • Bancos, Finanças, Socialismo e Democracia – [Ladislau Dowbor, Nuno Teles e J. W. Mason] Os bancos são instituições centrais na articulação das atividades no sistema capitalista. Como essas instituições deixaram de cumprir suas funções básicas e passaram a estender seu domínio sobre toda a economia? Podemos ver o sistema financeiro como um ambiente “neutro” cujos resultados são os “naturais” gerados pelos “mercados”? Será que dividir os grandes bancos será o suficiente para resolver essa situação?
  • O Comunismo Não Passa de Um Sonho de Utopia? Só Funcionaria Com Pessoas Perfeitas? – [Terry Eagleton] “O Comunismo é apenas um sonho de ingenuidade, utopia e perfeição? Ele ignora a maldade e o egoísmo que estariam na essência da natureza humana? Um tal sistema precisaria que todos pensassem e agissem de uma única maneira, só poderia funcionar com pessoas perfeitas e harmoniosas como peças de relógio, nunca com os seres humanos diversos e falhos que realmente existem?”
  • Como Vai Acabar o Capitalismo? – [Wolfgang Streeck] “O epílogo de um sistema em desmantêlo crônico: A legitimidade da ‘democracia’ capitalista se baseava na premissa de que os Estados eram capazes de intervir nos mercados e corrigir seus resultados, em favor dos cidadãos; hoje, as dúvidas sobre a compatibilidade entre uma economia capitalista e um sistema democrático voltaram com força total.”
  • Neoliberalismo, A Ideologia na Raiz de Nossos Problemas – [George Monbiot] “Crise financeira, desastre ambiental e mesmo a ascensão de Donald Trump – o Neoliberalismo,  a ideologia dominante no ‘Ocidente’ desde os anos 80, desempenhou seu papel em todos eles. Como surgiu e foi adotado pelas elites a ponto de tornar-se invisível e difuso? Por que a Esquerda fracassou até agora em enfrentá-lo?”
  • Desabamento Contínuo: Neoliberalismo Como Estágio da Crise Capitalista, Rendição Social-Democrata, Revolta Popular Recente e as Aberturas à Esquerda – [Robert Brenner] Na fase atual do neoliberalismo, o capitalismo não é mais capaz de garantir crescimento e desenvolvimento semelhantes aos estágios anteriores. Nem mesmo se mostra capaz de garantir condições de vida aos trabalhadores e, assim, assegurar seu apoio ao sistema – passando a depender cada vez mais do medo imposto sobre os mesmos sobre a perda de seus empregos, sobre o futuro, e sobre repressão – e despertando revolta de massa à Esquerda e à Direita. O que se segue é uma tentativa inicial e muito parcial de apresentar como entendemos o panorama político de hoje; uma série de suas características notáveis; as aberturas que se apresentam aos movimentos e à Esquerda; e os problemas que a Esquerda enfrenta.
  • O Projeto Socialista e a Classe Trabalhadora – [David Zachariah] “As pessoas na Esquerda estão unidas em seu objetivo de uma sociedade em que cada indivíduo encontre meios aproximadamente iguais para o pleno desenvolvimento de suas capacidades diversas. O que distingue os socialistas é o reconhecimento de que a forma específica como a sociedade está organizada para reproduzir a si mesma também reproduz grandes desigualdades sociais nos padrões de vida, emprego, condições de trabalho, saúde, educação, habitação, acesso à cultura, meios de desenvolvimento e frutos do trabalho social, etc.
  • O País Já Não é Meio Socialista? – Não, Socialismo não é só sobre mais governo – é sobre propriedade e controle democráticos.
  • Pelo Menos o Capitalismo é Livre e Democrático, Né? – Pode parecer que é assim, mas Liberdade e Democracia genuínas não são compatíveis com o Capitalismo.
  • O Socialismo Soa Bem na Teoria, Mas a Natureza Humana Não o Torna Impossível de Se Realizar? – “Nossa natureza compartilhada na verdade nos ajuda a construir e definir os valores de uma sociedade mais justa.”
  • Os Ricos Não Merecem Ficar Com a Maior Parte do Seu Dinheiro? – “A riqueza é criada socialmente – a redistribuição apenas permite que mais pessoas aproveitem os frutos do seu trabalho.”
  • Os Socialistas Vão Levar Meus CDs do Calypso? – Socialistas querem um mundo sem Propriedade Privada, não Propriedade Pessoal. Você pode guardar seus discos.
  • O Socialismo Não Termina Sempre em Ditadura? – O Socialismo é muitas vezes misturado com autoritarismo. Mas historicamente, Socialistas tem estado entre os defensores mais convictos da Democracia.
  • O Socialismo Não É Só Um Conceito Ocidental? – O Socialismo não é Eurocêntrico por que a lógica do Capital é universal – e a resistência a ela também.
  • E Sobre o Racismo? Os Socialistas Não Se Preocupam Só Com Classe? – Na verdade acreditamos que a luta contra o Racismo é central para desfazer o poder da classe dominante. 
  • O Socialismo e o Feminismo Não Entram Às Vezes Em Conflito? – Em última análise, os objetivos do Feminismo radical e do Socialismo são os mesmos – Justiça e Igualdade para todas as pessoas.
  • Um Mundo Socialista Não Significaria Só Uma Crise Ambiental Maior Ainda? – “Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de recursos democraticamente, levando em consideração necessidades e valores humanos, ao invés da maximização dos lucros.
  • Os Socialistas São Pacifistas? Algumas Guerras Não São Justificadas? – Socialistas querem erradicar a guerra por que ela é brutal e irracional. Mas nós pensamos que existe uma diferença entre a violência dos oprimidos e a dos opressores. 
  • Por Que os Socialistas Falam Tanto em Trabalhadores? – Os trabalhadores estão no coração do sistema capitalista. E é por isso que eles estão no centro da política socialista. 
  • Os Socialistas Querem Tornar Todos Iguais? Querem Acabar Com a Nossa Individualidade?
  • O Marxismo Está Ultrapassado? Ele Só Tinha Algo a Dizer Sobre a Inglaterra do Século XIX, e Olhe Lá?
  • O Marxismo é Uma Ideologia Assassina, Que Só Pode Gerar Miséria? – “O Marxismo é uma ideologia sanguinária e assassina, que só pode gerar miséria compartilhada? Socialismo significa falta de liberdade e uma economia falida?”

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