Como Matar Um Zumbi: Elaborando Estratégias Para o Fim do Neoliberalismo

Uma ideologia que prometia nos libertar da burocracia estatal socialista tem, ao invés, imposto uma burocracia própria sua. Isso só parece um paradoxo se tomarmos o neoliberalismo em suas próprias palavras.

por Mark Fisher, na Open Democracy, Julho de 2013

How_to_Survive_a_Zombie_Attack,_by_Acey_Duecy

“Zumbis não te amam! Mire na cabeça!” | Flickr | Acey Duecy

Por que a esquerda tem feito tão pouco progresso, cinco anos [1] depois de uma grande crise do capitalismo ter desacreditado o neoliberalismo? [2] Desde 2008, o neoliberalismo pode ter perdido o febril impulso pra frente que um dia possuiu, mas está longe de colapsar. [3] Segue agora cambaleando como um zumbi – mas como os fãs de filmes de zumbis sabem muito bem, às vezes é mais difícil matar um zumbi do que uma pessoa viva.

Na conferência em York, a notória observação de Milton Friedman foi citada várias vezes: “Apenas uma crise – real ou assim percebida – produz mudança de verdade. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias circulando por aí. Essa, acredito, é nossa função básica: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se torne politicamente inevitável.” O problema é que muito embora a crise de 2008 tenha sido causada por políticas neoliberais, essas mesmíssimas políticas permanecem praticamente as únicas “circulando por aí”. Como consequência, o neoliberalismo ainda mantém-se politicamente inevitável.

Não está claro, de modo algum, que o público tenha alguma vez abraçado doutrinas neoliberais [4] com muito entusiasmo – mas as pessoas foram persuadidas da ideia de que não há alternativa ao neoliberalismo. A aceitação (tipicamente relutante) deste estado de coisas é a marca do realismo capitalista. O neoliberalismo pode não ter tido sucesso em se fazer mais atrativo do que outros sistemas, mas conseguiu se vender como o único modo “realista” de governo. “Realismo”, nesse sentido, é uma conquista política; o neoliberalismo teve sucesso em impor um modelo de realidade modelado sobre práticas e premissas vindas do mundo dos negócios.

O neoliberalismo consolidou o descrédito do socialismo estatal, [5] assentando uma visão da história na qual se apropriava do futuro e relegava a esquerda à obsolescência. A estratégia passou por capturar o descontentamento com o esquerdismo burocrático centralizado, absorvendo e metabolizando com sucesso os desejos de liberdade e autonomia que emergiram na esteira dos anos 60. Mas – e este ponto é crucial – isso não significa que aqueles desejos inevitavelmente e necessariamente levassem à ascensão do neoliberalismo. Ao contrário, podemos ver o sucesso do neoliberalismo como um sintoma do fracasso esquerdista em responder adequadamente àqueles novos desejos. [6][7] Como Stuart Hall e outros envolvidos com o projeto New Times nos anos 80 insistiram profeticamente, este fracasso se provaria catastrófico para a esquerda.

Realismo capitalista’ pode ser descrito como a crença de que não há alternativa ao capitalismo. Entretanto, isso não se manifesta normalmente em reivindicações grandiosas sobre economia política, mas em comportamentos e expectativas mais banais, tais como nossa aceitação fatigada de que os pagamentos e as condições [de vida e trabalho] vão se estagnar ou deteriorar.

O realismo capitalista tem sido vendido para nós por gerentes (muitos dos quais se vêem como pessoas de esquerda) que nos dizem que os tempos são outros agora. A era da classe trabalhadora organizada acabou; o poder sindical está recuando; as empresas agora dão as cartas, e temos que entrar na linha. O trabalho de auto-vigilância que agora se exige rotineiramente dos trabalhadores – todas aquelas auto-avaliações, revisões de performance, livros de registro – seria, nós temos sido persuadidos, um preço pequeno a pagar para manter nossos empregos.

Tomemos a Research Excellence Framework (REF) [8] – um sistema para avaliar a produção de pesquisa por acadêmicos no Reino Unido. Esse sistema massivo de monitoramento burocrático é amplamente odiado por aqueles sujeitos a ele, mas até agora nenhuma oposição real foi adotada. Esta situação dupla – em que algo é detestado, mas ao mesmo tempo cumprido – é típica do realismo capitalista, e é particularmente pungente no caso da academia, uma das supostas fortalezas da esquerda.

O realismo capitalista é uma expressão da decomposição de classe, e uma consequência da desintegração da consciência de classe. Fundamentalmente, o neoliberalismo deve ser visto como um projeto que buscava atingir este fim. Não estava principalmente – pelo menos não na prática – dedicado a libertar os mercados do controle estatal. Tratava-se, na verdade, de subordinar o Estado ao poder do capital. Como David Harvey defende incansavelmente, o neoliberalismo era um projeto cujo objetivo era reafirmar o poder de classe. [9]

Conforme as fontes tradicionais de poder da classe trabalhadora foram derrotadas ou subjugadas, as doutrinas neoliberais funcionaram como armas em uma guerra de classe travada cada vez mais por um lado só. Conceitos como ‘mercado’ e ‘competição’ têm funcionado não como os verdadeiros fins de políticas neoliberais, mas como seus mitos orientadores e álibi ideológico. O capital não tem interesse na saúde dos mercados ou em competição. Como Manuel DeLanda tem argumentado, seguindo Fernand Braudel, o capitalismo, com sua tendência em direção a monopólios e oligopólios, pode ser definido com mais precisão como anti-mercado [10], e não como um sistema que promova o desenvolvimento saudável dos mercados.

David Blacker observa de forma mordaz em seu próximo livro, ‘The Falling Rate of Learning and the Neoliberal Endgame’ [algo como “A Taxa Decrescente de Aprendizado e o Fim-De-Jogo Neoliberal”], que as virtudes da “competição” devem “convenientemente ser reservadas apenas para as massas. Competição e risco é para pequenos negócios e outras pessoas pequenas como empregados do setor privado ou público.” A invocação da competição tem funcionado como arma ideológica – o alvo real é a destruição da solidariedade e, enquanto tal, o sucesso tem sido notável.

Competição em educação (tanto entre instituições como entre indivíduos) não é algo que emerge espontaneamente uma vez que a regulação estatal seja removida – pelo contrário, é algo produzido ativamente por novos tipos de controle estatal. A REF e o regime de inspeções escolares supervisionadas no Reino Unido pela OFSTED são ambos exemplos clássicos desta síndrome.

Uma vez que não existe uma forma automática de “mercantilizar” a educação e outros serviços públicos e não existe uma forma direta de quantificar a “produtividade” de trabalhadores tais como professores, a imposição da disciplina dos negócios tem significado a instalação de maquinários burocráticos colossais. Assim, uma ideologia que prometia nos libertar da burocracia estatal socialista tem, bem ao contrário, imposto uma burocracia própria sua.

Isso só parece um paradoxo se nós tomamos o neoliberalismo em suas próprias palavras – mas neoliberalismo não é liberalismo clássico. Não tem nada a ver com laissez faire. Como Jeremy Gilbert argumenta, desenvolvendo a análise presciente de Foucault sobre neoliberalismo, o projeto neoliberal sempre foi sobre policiar vigilantemente um certo modelo de individualismo; os trabalhadores têm de ser vigiados continuamente pelo temor de que possam deslizar para a coletividade. [11]

Se nos recusarmos a aceitar as justificativas neoliberais – de que sistemas de controle trazidos dos negócios pretendiam aumentar a eficiência dos trabalhadores – então se torna claro que a ansiedade [12] produzida pelo REF e outros mecanismos gerencialistas não são efeitos colaterais acidentais desses sistemas – mas seu real objetivo.

E se o neoliberalismo não vai colapsar por si mesmo [13], o que pode ser feito para acelerar sua derrocada?

Rejeitar Estratégias Que Não Funcionam

Em um diálogo entre Franco ‘Bifo’ Berardi e eu, publicado na revista Frieze [14], Berardi falou da “nossa impotência teórica atual em face do processo desumanizante provocado pelo capitalismo financeiro.” “Eu não posso negar a realidade,” Berardi continuou, “que me parece ser esta: a última onda do movimento – digamos que entre 2010 e 2011 – foi uma tentativa de revitalizar uma subjetividade de massa. Essa tentativa falhou: temos sido incapazes de interromper a agressão financeira. O movimento agora desapareceu, emergindo apenas na forma de explosões fragmentárias de desespero.”

Bifo, um dos ativistas envolvidos com o assim-chamado movimento autonomista na Itália dos anos 70, identifica aqui o ritmo que tem definido a luta anti-capitalista desde 2008: emocionantes explosões de militância recuam tão rapidamente quanto irrompem, sem produzir qualquer mudança que se sustente no tempo.

Ouço os comentários de Bifo como um réquiem para as estratégias “horizontalistas” que têm dominado o anti-capitalismo desde os anos 90. O problema com estas estratégias não são seus (nobres) objetivos – a abolição da hierarquia, a rejeição do autoritarismo – mas sua eficácia. Hierarquia não pode ser abolida por decreto, e um movimento que fetichiza a forma organizacional acima de sua eficiência concede terreno para o inimigo. O desmantelamento das várias formas existentes de estratificação será um processo longo, árduo e repleto de atrito; não é simplesmente uma questão de evitar líderes (oficiais) e adotar formas “horizontais” de organização.

Um certo horizontalismo neo-anarquista tem tendido a favorecer estratégias de ação direta e retirada – as pessoas precisam tomar medidas agora e por si mesmas, não esperar que representantes eleitos e comprometidos ajam em seu lugar; ao mesmo tempo, elas devem se retirar de instituições que são – não contingentemente, mas necessariamente – corruptas.

A ênfase na ação direta, contudo, oculta um desespero sobre a possibilidade de ação indireta. Todavia, é através de ação indireta que o controle de narrativas ideológicas é alcançado. Ideologia não é o que você ou eu acreditamos espontaneamente, mas sobre o que acreditamos que os Outros acreditam – e esta crença ainda é determinada em grande medida pelo conteúdo da mídia convencional.

A doutrina neo-anarquista sustenta que deveríamos abandonar a mídia convencional e o congresso – mas esse nosso abandono somente permitiu que os neoliberais estendessem seu poder e influência. A direita neoliberal pode pregar o fim do Estado, mas apenas enquanto se assegura de que controla os governos.

Só a esquerda horizontalista acredita na retórica sobre a obsolescência do Estado. O perigo da crítica neo-anarquista é que ela essencializa o Estado, a democracia parlamentar e a “mídia convencional” – mas essas coisas não são estáticas, fixas para sempre. São terrenos mutáveis a serem disputados, e as formas que assumem agora são elas mesmas efeito de lutas prévias. Parece, às vezes, como se os horizontalistas quisessem ocupar tudo, exceto o congresso e a mídia convencional. Mas por que não ocupar o Estado e a mídia também? Assim, o neo-anarquismo longe de ser um desafio ao realismo capitalista, aparece como um de seus efeitos. Esse fatalismo anarquista – de acordo com o qual é mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que um Partido Trabalhista de esquerda [15] – é o complemento da insistência do realismo capitalista de que não existe alternativa ao capitalismo.

Nada disto significa que ocupar a mídia convencional ou a política eleitoral será o bastante por si só. Se o New Labour [16] nos ensinou alguma coisa, foi que ganhar o governo não é de forma alguma a mesma coisa que conquistar a hegemonia. [17] Contudo, sem uma estratégia parlamentar de algum tipo, os movimentos de rua seguirão naufragando e colapsando. A tarefa é estabelecer os vínculos entre as energias extra-parlamentares dos movimentos e o pragmatismo daqueles no interior das instituições existentes.

Retreinar-nos para adotar uma mentalidade de guerra

Se quisermos considerar a desvantagem mais significativa do horizontalismo, no entanto, pense sobre como ele aparece pela perspectiva do inimigo. O capital deve se deleitar com a popularidade dos discursos horizontalistas no nosso movimento. Você preferiria enfrentar um inimigo cuidadosamente coordenado ou um que toma decisões através de “assembléias” que duram 9 horas?

O que não quer dizer que devamos recair na fantasia consoladora de que qualquer tipo de retorno ao leninismo da velha escola seja possível ou desejável. O fato de nos ter sobrado uma escolha entre leninismo e anarquismo é uma medida da atual impotência esquerdista.

É crucial deixar para trás este binarismo estéril. A luta contra o autoritarismo não precisa implicar neo-anarquismo, assim como organização eficaz não requer necessariamente um partido leninista. O que é necessário, no entanto, é levar a sério o fato de que estamos enfrentando um inimigo que não tem nenhuma dúvida de que está em guerra de classes e que dedica muitos de seus enormes recursos treinando sua gente para travar essa guerra. Há uma boa razão pela qual os estudantes de MBA lêem A Arte da Guerra e, se quisermos avançar, estamos obrigados a redescobrir o desejo de ganhar e a confiança de que podemos ganhar.

Devemos, para tanto, aprender a superar certos hábitos de pensamento anti-stalinista. O perigo não é mais, e já não tem sido por algum tempo, excessivo fervor dogmático da nossa parte. Ao contrário, a Esquerda pós-68 sofre da tendência a sobrevalorizar uma capacidade negativa de permanecer em dúvida, ceticismo e incertezas – que pode bem ser uma virtude estética, mas é um vício político. A auto-dúvida que tem sido endêmica na Esquerda desde os anos 60 não se encontra em evidência na Direita – uma das razões pelas quais eles têm sido tão bem sucedidos em impor seu programa. Muitos na Esquerda agora tremem ao mero pensamento de formular um programa, quanto mais de “impor” um. Mas temos que desistir da crença de que as pessoas irão espontaneamente virar à Esquerda, ou de que o neoliberalismo entrará em colapso sem que nós ativamente o desmantelemos.

Repensar a solidariedade

A antiga solidariedade que o neoliberalismo decompôs foi-se de vez, para nunca mais voltar. Mas isso não significa que tenhamos que estar presos ao individualismo atomizado. Nosso desafio agora é reinventar a solidariedade. Alex Williams desenvolveu a sugestiva formulação de uma “plasticidade pós-fordista” [18] para descrever como essa nova solidariedade poderia se parecer. Como Catherine Malabou demonstrou,  plasticidade não é a mesma coisa que elasticidade. Elasticidade é equivalente à flexibilidade que o neoliberalismo exige de nós, na qual temos que assumir uma forma imposta de fora. Mas plasticidade é outra coisa: implica adaptabilidade e resiliência, uma capacidade para modificação mas que também mantém uma “memória” de encontros anteriores.

Repensar a solidariedade nestes termos pode nos ajudar abandonar algumas suposições esgotadas. Este tipo de solidariedade não implica necessariamente uma unidade geral ou um controle centralizado. Mas mover-se para além da unidade não precisa, tampouco, nos conduzir à planicidade do horizontalismo. [19] Em lugar da rigidez da unidade – cuja aspiração, ironicamente, contribuiu para o notório sectarismo da Esquerda – o que precisamos é da coordenação de diversos grupos, recursos e desejos. Nesse sentido, a Direita tem conseguido ser melhor pós-moderna do que nós, construindo coalizões bem sucedidas de grupos de interesse heterogêneos sem a necessidade de uma unidade global. Devemos aprender com eles, para começar a tecer um mosaico semelhante no nosso lado. Este é mais um problema logístico do que um problema filosófico.

Além da plasticidade da forma organizacional, precisamos também prestar atenção à plasticidade do desejo. Freud nos ensinou que os impulsos libidinais são “extraordinariamente plásticos”. Se o desejo não é uma essência biológica fixa, então também não há nada como um desejo natural pelo capitalismo. O desejo é sempre composto. Anunciantes, marqueteiros e consultores de relações públicas sempre souberam disso e a luta contra o neoliberalismo exigirá que saibamos construir um modelo alternativo de desejo capaz de competir com aquele empurrado pelos técnicos libidinais do capital.

O certo é que estamos agora em um deserto ideológico no qual o neoliberalismo é dominante apenas por inércia. O terreno está em disputa e a observação de Friedman deve nos servir de inspiração: é nossa tarefa desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se torne politicamente inevitável.

Tradução: Everton Lourenço e Victor Marques


[Nota de tradução: Mark Fisher é um camarada que faz falta. Um intelectual engajado, um brilhante crítico cultural, um militante comunista. Fundou na década de 90, junto com Nick Land, o célebre Cybernetic Culture Research Unit (Ccru) e nos anos 2000 tornou-se conhecido por meio do seu blog K-Punk, onde discutia música, cultura pop e política. Ganhou notoriedade em 2009 ao publicar o livro Capitalist Realism (Realismo Capitalista), no qual argumentava que a grande vitória do neoliberalismo foi ter consolidado um senso comum no qual não há alternativa possível ao capitalismo, bloqueando nossa imaginação utópica e obliterando formas de consciência que apontem para um horizonte emancipatório pós-capitalista. A brochura foi muito influente nos movimentos estudantis de 2010-2011 contra a austeridade, assim como sobre as discussões que se seguiram no Novara Media e no aceleracionismo de esquerda. Em um texto de 2013, Fisher criticava um certo “fatalismo neo-anarquista” que contribuía para tornar mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que imaginar um partido trabalhista de esquerda. Para Fisher, o neoliberalismo se encontrava em estado moribundo desde a crise de 2008, mas continuava em pé feito um zumbi, e que para derrotá-lo se fazia necessário uma estratégia – que passava pela ocupação da política eleitoral e da mídia. E um post de 2015, logo após a derrota eleitoral do Partido Trabalhista (então liderado por Ed Milliband), Fisher anunciou, com surpreendente otimismo, que “o verão está chegando”, um slogan utilizado a partir desse tempo pelo coletivo Plan C, do qual fazia parte. Respondendo a uma mídia conservadora que chamava Milliband de “Ed, o vermelho”, Fisher terminava o post vaticinando: “Se eles pensam que Ed era vermelho, esperem até ver o enxame vermelho que está vindo. A Inglaterra estava sedada, mas está acordando de seu longo sono, carregando novas armas”. A surpreendente vitória de Corbyn para a liderança, com a concomitante invasão de um verdadeiro enxame vermelho da juventude ao Partido Trabalhista, e o ainda mais inesperado sucesso eleitoral recente do Labour, em uma plataforma ostensivamente anti-neoliberal – tudo isso parece reivindicar agora a visão de Fisher. Infelizmente, Mark não sobreviveu para ver a campanha entusiasmante de um Labour revigorado. Foi vítima da depressão que o atormentava por anos, e no começo de 2017 tirou a própria vida. Como escritor, editor (criou os selos Zer0 e Repeater para publicação de livros), palestrante e ativista Mark Fisher contribuiu imensamente para afrouxar as amarras do “realismo capitalista” na mente das novas gerações militantes, sobretudo na Inglaterra, e nos ajudou a redescobrir o futuro.]


Notas

[1] O texto, claro, é de 2013. [N.M.]

[2] Para quem não tem muita clareza sobre o que significa “neoliberalismo”, vale muito a pena ler a introdução de George Monbiot sobre o tema para o jornal The Guardian: ‘Neoliberalismo, a Ideologia na Raiz de Nossos Problemas’. [N.M.]

[3] Recentemente a hegemonia do neoliberalismo tem mostrado rachaduras cada vez maiores, com o crescimento da contestação às suas políticas nos EUA e Europa, mas pela própria Direita e Extrema-Direita, com o crescimento de figuras como Trump, o sucesso da campanha pelo Brexit e o desempenho eleitoral de populistas xenófobos por toda a Europa. Claramente, se a Esquerda não for capaz de apresentar uma alternativa melhor que um “neoliberalismo com rosto humano”, não será da Esquerda que virá o substituto para o neoliberalismo. [N.M.]

[4] Ver, novamente, o texto de George Monbiot indicado na nota 2. [N.M.]

[5] Os neoliberais conseguiram, inclusive, estabelecer em muitos círculos a ideia de que toda ação/intervenção governamental seria sinônimo de ‘Socialismo’ e antônimo de ‘Liberdade’. Sobre essa questão, vale a pena ler os seguintes textos: ‘As Perspectivas da Liberdade‘, de David Harvey (comentando trechos de Karl Polanyi); ‘O País Já Não é Meio Socialista?‘, de Chris Maisano; ‘Pelo Menos o Capitalismo é Livre e Democrático, né?‘, de Erik Olin Wright; ‘O Ponto de Ruptura da Social-Democracia‘, de Peter Frase. [N.M.]

[6] Ironicamente, tais desejos estavam na base do próprio pensamento de Marx sobre o que seria o Comunismo: “uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos” (Manifesto Comunista). [N.M.]

[7] Sobre a ética do trabalho que animava a Esquerda nos anos 60 e que não foi capaz de se adaptar àquelas novas demandas, ver ‘Políticas Para se Arranjar Uma Vida’, de Peter Frase. [N.M.]

[8] Pode não ser exatamente igual, mas no Brasil podemos pensar nas avaliações de produtividade da Capes, Lattes, etc. [N.M.]

[9] ‘Neoliberalismo: História e Implicações’, David Harvey – Edições Loyola. [N.M.]

[10] ‘Markets and Anti-Markets in the World Economy’ [‘Mercados e Anti-Mercados na Economia Mundial’], Manuel de Landa

[11] Esse sentido de vigilância ganha novos contornos com as revelações sobre os níveis de vigilância globais em massa alcançados durante o período de hegemonia do neoliberalismo. Ver o texto ‘O Ano Em Que o Capitalismo Real Mostrou a Que Veio’, de Jerome Roos. [N.M.]

[12] Sobre a epidemia atual de ansiedade e depressão e sua relação com os valores neoliberais, vale a pena ler os textos ‘Estranho, com Orgulho’, de George Monbiot; e ‘Não Prestar Pra Nada’, também de Mark Fisher. [N.M.]

[13] Mas, como indicado na nota 3, há cada vez mais sinais de fraturas e uma queda pela Direita – sem falar no potencial de desmantelamento da própria ordem global capitalista por suas próprias contradições internas, sem a necessidade de uma alternativa pronta para substituí-la, como indica Wolfgang Streeck em ‘Como Vai Acabar o Capitalismo?’ [N.M.]

[14] ‘Give Me Shelter’ [algo como ‘Me Dá Abrigo’], Mark Fisher e Franco ‘Bifo’ Berardi.

[15] Ele fala do caso inglês; no caso brasileiro, por exemplo, podemos usar um Partido dos Trabalhadores mais à Esquerda [N.M.]

[16] ‘Novo Trabalhismo’, foi um movimento neoliberal dentro do Partido Trabalhista inglês, encabeçado por Tony Blair; dizem que Thatcher brincava que o New Labour havia sido o seu maior sucesso. Essa ‘neoliberalização’ de partidos de centro-esquerda não se restringiu à Inglaterra, infelizmente: foi e em grande parte segue sendo uma tendência europeia (conhecida como ‘Terceira Via’) à partir dos anos 80, e influenciou viradas semelhantes ao redor do mundo, principalmente após a queda do Muro de Berlim e da URSS. [N.M.]

[17] Podemos pensar novamente no caso brasileiro, em que o PT alcançou o governo federal, mas apenas como cabeça de um governo de coalizão desenvolvimentista com partidos da direita tradicional, sem conquistar hegemonia ideológica nem na sociedade, nem no congresso ou mesmo no próprio governo. [N.M.]

[18] ‘On Negative Solidarity and Post-Fordist Plasticity’ [‘Sobre Solidariedade Negativa e Plasticidade Pós-Fordista’], Alex Williams.


Leituras Relacionadas

Este artigo faz parte da série de leituras ‘Sobre Capitalismo‘. Os textos da série buscam apresentar:

  1. Os aspectos principais que definem o Capitalismo e suas tendências;
  2. Os problemas, contradições, antagonismos e limites do sistema social/político/econômico/ideológico/moral em que vivemos, que nos impedem de termos vidas plenas e satisfatórias, e que podem inclusive levar ao fim da vida humana como conhecemos.
  3. Como muitas das tendências problemáticas do sistema são tão centrais que dificilmente poderemos ter uma solução sustentável apenas “domando” o capitalismo, esperando a benevolência de bilionários ou a visão inovadora de empreendedores geniais – muitos desses problemas só poderão ser realmente resolvidos com a superação do próprio sistema por uma alternativa mais democrática, mais racional, mais equilibrada, mais justa, mais sustentável e mais humana.
  • Realismo Capitalista e a Exclusão do Futuro [Mark Fisher] – “O fracasso do futuro assombra o capitalismo: depois de 1989, a vitória do capitalismo não consistiu na sua reivindicação confiante do futuro, mas em negar que o futuro seja possível. Tudo o que podemos esperar, temos sido levados a acreditar, é mais do mesmo – mas em telas de resolução mais alta com conexões mais rápidas. A ‘assombralogia’, penso, expressa insatisfação com esta exclusão do futuro. […] Parte da batalha agora será para garantir que o neoliberalismo seja percebido como morto. Acho que isso já está acontecendo. Há uma mudança nas atmosferas culturais, pequena no momento, mas vai crescer.”
  • Não Prestar Pra Nada [Mark Fisher] – “Para aqueles que foram ensinados desde o nascimento a se verem como inferiores, a aquisição de qualificações ou renda raramente será suficiente para apagar — em suas próprias mentes ou na mente dos outros — o sentido primordial de inutilidade que os marca tão cedo na vida”
  • Estranho, com Orgulho [George Monbiot] – “Você se sente perdido? Talvez isso seja por que você se recusa a sucumbir à competição, inveja e medo que o neoliberalismo desperta.
  • Dossiê Corbyn [Bhaskar Sunkara, Sarah Leonard, Victor Marques, David Graeber, James Butler, Juliet Jacques, Sam Kriss] – “A campanha do Partido Trabalhista, em pouco tempo, foi capaz de transformar radicalmente a paisagem política do Reino Unido. A importância histórica desse evento não deve ser minimizada: ao que me consta, é a primeira vez que um partido de massas, esclerosado e envelhecido, é trazido de volta à vida por meio da mobilização multitudinária de base, tornando-se novamente um instrumento útil ao movimento social de contestação e reativando a imaginação utópica pós-capitalista.”
  • Democratizar Isso [Michal Rozworski] – “Os planos do Partido Trabalhista inglês para buscar modelos democráticos de propriedade são o aspecto mais radical do programa de Corbyn, e um dos mais radicais que temos visto na política dominante em muito tempo.”
  • O Ponto de Ruptura da Social-Democracia [Peter Frase] – ‘Precisamos de uma Política que reconheça que o acordo de classes da Social-Democracia é insustentável.
  • Neoliberalismo, A Ideologia na Raiz de Nossos Problemas [George Monbiot] – “Crise financeira, desastre ambiental e mesmo a ascensão de Donald Trump – o Neoliberalismo,  a ideologia dominante no ‘Ocidente’ desde os anos 80, desempenhou seu papel em todos eles. Como surgiu e foi adotado pelas elites a ponto de tornar-se invisível e difuso? Por que a Esquerda fracassou até agora em enfrentá-lo?”
  • Não Há Alternativa? [István Mészáros] – “Para muita gente, a presente situação parece fundamentalmente inalterável. Esta impressão parece ser reforçada por um dos slogans políticos mais frequentemente repetidos pelos que tomam as decisões por nós: ‘não há outra alternativa.’ Contudo, a dedicação de nossos líderes políticos ao avanço dos imperativos do sistema do capital não elimina suas deficiências estruturais e seus antagonismos potencialmente explosivos. Descobrir uma saída do labirinto das contradições do sistema do capital global por meio de uma transição sustentável para uma ordem social muito diferente é, portanto, mais imperativo hoje do que jamais o foi, diante da instabilidade cada vez mais ameaçadora.”
  • O Ano em Que o Capitalismo Real Mostrou a Que Veio [Perry Anderson] – “Tudo que nós um dia deveríamos temer sobre o socialismo — desde repressão estatal e vigilância em massa até padrões de vida em queda — aconteceu diante de nossos olhos
  • Como Vai Acabar o Capitalismo? [Wolfgang Streeck] – “O epílogo de um sistema em desmantêlo crônico: A legitimidade da ‘democracia’ capitalista se baseava na premissa de que os Estados eram capazes de intervir nos mercados e corrigir seus resultados, em favor dos cidadãos; hoje, as dúvidas sobre a compatibilidade entre uma economia capitalista e um sistema democrático voltaram com força total.”
  • Quatro Futuros [Peter Frase] – Uma coisa de que podemos ter certeza é que o Capitalismo vai acabar; a questão, então, é o que virá depois.
  • Por Que Socialismo? [Albert Einstein] – Albert Einstein explica, de maneira clara e objetiva, os problemas fundamentais que enxerga na sociedade capitalista e porque uma sociedade socialista poderia ser o caminho para superá-los.
  • O Projeto Socialista e a Classe Trabalhadora [David Zachariah] – “As pessoas na Esquerda estão unidas em seu objetivo de uma sociedade em que cada indivíduo encontre meios aproximadamente iguais para o pleno desenvolvimento de suas capacidades diversas. O que distingue os socialistas é o reconhecimento de que a forma específica como a sociedade está organizada para reproduzir a si mesma também reproduz grandes desigualdades sociais nos padrões de vida, emprego, condições de trabalho, saúde, educação, habitação, acesso à cultura, meios de desenvolvimento e frutos do trabalho social, etc.
  • ABCs do Socialismo – [Especial da revista Jacobin sobre questões básicas relacionadas com o Socialismo]
  • O Marxismo Está Ultrapassado? Ele Só Tinha Algo a Dizer Sobre a Inglaterra do Século XIX, e Olhe Lá?
  • As Perspectivas da Liberdade [David Harvey] – “A idéia de liberdade degenera assim em mera defesa do livre empreendimento, que significa a plenitude da liberdade para aqueles que não precisam de melhoria em sua renda, seu tempo livre e sua segurança, e um mero verniz de liberdade para o povo, que pode tentar em vão usar seus direitos democráticos para proteger-se do poder dos que detêm a propriedade.”
  • Sua Majestade, a Teoria Econômica [David Harvey] – “Aqui temos a crise econômica e financeira mais espetacular em décadas e o grupo que passa a maior parte de suas horas ativas analisando a economia basicamente não a enxergou.”
  • O Que Acontece Quando Você Acredita em Ayn Rand e na Teoria Econômica Moderna [Denise D. Cummins] – “E se as pessoas se comportassem de acordo com a filosofia do “objetivismo” de Rand? E se nós de fato nos permitíssemos ser cegos a tudo, menos nosso próprio interesse?”
  • Uma Filosofia para o Proprietariado [Rob Hunter] – O “Libertarianismo” não oferece solução alguma para a política plutocrática de hoje em dia – não passa de uma rejeição reacionária à luta política.
  • Existe mesmo algo como um “livre-mercado”? [[Ha-Joon Chang]] – Todo mercado tem algumas regras e limites que restringem a liberdade de escolha. O mercado só parece livre porque estamos tão condicionados a aceitar as suas restrições subjacentes que deixamos de percebê-las.”
  • O Mercado é Mesmo Bom? [Luis Felipe Miguel] – “Há um elemento comum, nas manifestações recentes da direita: o discurso de que o Estado deve recuar e o mercado deve regular uma porção maior das interações humanas. Se a lógica do mercado opera, dizem eles, no final das contas todos ganham. Será que é mesmo assim?”
  • O Livre-Mercado Faz Países Pobres Ficarem Ricos? [Ha-Joon Chang] –  “Os supostos lares do livre comércio e do livre mercado ficaram ricos por meio da combinação do protecionismo, subsídios e outras políticas que hoje eles aconselham os países em desenvolvimento a não adotar. As políticas de livre mercado tornaram poucos países ricos até agora e poucos ficarão ricos por causa dela no futuro.”
  • Nem Sempre Foi Assim [Frederico Mazzucchelli] – “O caótico período que vai do início do século 20, passando pelas duas Guerras Mundiais e a crise de 29, certamente foram tempos muito piores do que o que vivemos hoje, tempos de crise, desemprego e violência em massa. Entretanto, daqueles tempos emergiu também, após a Segunda Guerra Mundial, a necessidade de regular o sistema econômico de modo a atenuar as mazelas gestadas pelo mercado autorregulado. As respostas keynesianas à incerteza e à catástrofe promoveram um longo período de crescimento com ganhos salariais e redução das desigualdades, algo também sem paralelo na história do capitalismo.”
  • Nossa Obsoleta Mentalidade de Mercado [Karl Polanyi] – “O capitalismo liberal foi com efeito a resposta inicial do homem ao desafio da Revolução Industrial. De modo a gerarmos o escopo necessário para o uso de máquinas poderosas e elaboradas, transformamos a economia humana em um sistema auto-regulado de mercados, e direcionamos nosso pensamentos e valores para os moldes dessa única inovação. Hoje, começamos a duvidar da verdade de alguns desses pensamentos e da validade de alguns desses valores.”

Um pensamento sobre “Como Matar Um Zumbi: Elaborando Estratégias Para o Fim do Neoliberalismo

  1. Sou anarquista e concordo em parte. Não acho o horisontalismo ruim, mas nessa conjuntura não podemos nos dar o luxo de não fazermos alianças e criar um debate democratico entre os diversos setores da esquerda. Outra alternativa que eu penso (que é anarquista ainda) é a ideia do controle pela base. Os representantes deixariam de ser represantantes e passariam a ser controlados pela base, se tornando delegados para serem eleitos. A pergunta é como fazer isso, mas é mais viavel atualmente do que simplesmente tentar o que esta sendo tentado. Também só se utiliza a ação direta para o enfrentamento belicoso, quando ela pode ser usada para se construir esta solidariedade. Se o governo não faz nada por uma comunidade, nós mesmos podemos nos organizar e fazer muito pela sociedade sem depender do governo. Organizar as pessoas dos bairros, os trabalhadores e etc em modo horizontal pode servir para organizar estes trabalhos comunitarios e mostrar as pessoas que existem alternativas em relação ao capital e ao estado. O anarquismo não cresce também, porque ele não consegue sair da pecha de violento, sempre reforçando mais isso do que outra coisa. E se não se pode fazer aliança com político, pode se tentar criar um controle da base real sobre os representantes, se o movimento for bem coordenado.

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